DANILO MENESES: O MAESTRO URUGUAIO DO VASCO NOS ANOS 60
Quando o jornalista vascaíno Rubens Lemos Filho foi contatado para, se assim possível fosse, disponibilizar o contato do craque uruguaio Danilo Meneses, que assim como ele e o autor desta matéria também vive em Natal/RN, a resposta foi rápida e positiva. Na primeira ligação, o histórico jogador havia acabo de sair, mas já retornaria, segundo disse sua esposa Fernanda, professora de matemática já aposentada. Minutos depois, uma voz grossa e carregada de um sotaque charrúa falava no outro lado da linha. Era ele, companheiro de grandes craques do futebol mundial: Danilo Meneses.
Cerca de 12 minutos durou a primeira conversa. Falou-se da sua passagem no Nacional de Montevidéu, na Seleção Uruguaia, e claro, no Vasco da Gama. Danilo fez questão de rapidamente, recordar craques como Andrada, Brito, Fontana, Oldair, Maranhão, Lorico, Célio e muitos outros. Quando perguntado se concederia uma entrevista para o Papo na Colina, o nobre senhor uruguaio sequer titubeou: “com todo o prazer!”. Como local para a conversa, Danilo Meneses escolheu a casa de outro clube, no qual brilhou após sair do Vasco no início dos anos 70: o Estádio Maria Lamas Farache, o “Frasqueirão”, casa do ABC de Natal.
O prazeroso papo durou cerca de 45 minutos e com muita saudade conversou-se sobre uma época na qual o futebol era outro, a sociedade era outra, a vida era outra. Foi feita uma espécie de linha do tempo da vida do habilidoso jogador uruguaio. O conteúdo dessa entrevista é de exclusividade do Papo na Colina.
FF: Danilo, você é de 17 de fevereiro de 1945. Com apenas 5 anos, você teve a honra de, não sei se de escutar conscientemente aquela inesquecível partida contra o Brasil no Maracanã, no famoso Maracanazo, como fizeram muitos uruguaios. Você tem alguma memória daquele dia, daquele ano, daquele momento?
DM: Na verdade não tive. Foi um momento inesquecível para todos os cidadãos uruguaios, principalmente porque foi uma Copa do Mundo e movimentava multidões, como movimenta até hoje no mundo todo. E o Uruguai não era favorito, em nenhum momento ele era favorito, mas a surpresa foi tão grande que nós uruguaios ficamos estáticos. Chorávamos porque era uma alegria tão grande, que se precisava extravasar de alguma forma.
FF: Emoção por uma conquista que ninguém imaginava. Como vencer o Brasil imbatível no Maracanã com duzentas mil pessoas?!
– DM: O Brasil naquela época era o Esquadrão de Ouro…
FF: Com muitos jogadores do Vasco da Gama! Ademir de Menezes, artilheiro daquela Copa, Barbosa…
DM: Pra você ver como é o destino, né?! Andou, andou, andou, rolou, rolou, rolou e fui parar no Vasco da Gama. Quando eu cheguei no Vasco, tive a felicidade e honra de ainda, não jogar, mas de ser treinado por ele, por Barbosa. Foi o goleiro da Copa, aí quando cheguei lá ele já tinha uma idade avançada, né? Mas os companheiros de time, Brito, Fontana, Oldair (o pessoal todinho) me apresentaram como o goleiro que tinha entregue o ouro. E ele saia correndo atrás da gente gritando “vou pegar vocês”. Foram momentos inesquecíveis contou Danilo com sorriso e bom humor.
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FF: Você nasce no município de Rivera, Uruguai, pertinho da fronteira com o Rio Grande do Sul…
DM: Não, já é fronteira. Metade da cidade é Uruguai e a outra metade é Brasil. Importante salientar como o próprio município de Rivera já é uma metáfora do próprio Danilo Meneses: um uruguaio de origem cuja outra metade é brasileira.
FF: Danilo, o seu primeiro clube no Uruguai é o Clube Atlético Oriente?
DM: Oriental.
FF: Como foi o início no Oriental e a ida ao glorioso Nacional de Montevidéu?
DM: Bom, no Oriental…eu morava a dois quarteirões do estádio. À tarde, todos os garotos iam pra lá ver o treinamento. O Oriental era da família Beauchacourt, família mais rica da cidade, e nós íamos pra lá ficar atrás do gol. Naquela época, você ficava atrás do gol pra jogar a bola pros atletas que estavam treinando. Você não podia ficar brincando com a bola, nada disso. Quer dizer, você só servia mesmo pra entregar a bola pro pessoal treinar. É, eu morava a dois quarteirões, só o que dividia o estádio do Oriental pra onde ficava minha casa, o que dividia era a linha do trem, que atravessava o território todinho. Certo dia, eu estou lá no treino, que eu ficava sempre lá junto com aquela turma que jogava a bola para os jogadores do profissional continuarem o treinamento. A bola, vai pra lá vem pra cá, foi cair lá perto de onde eu estava. Mas o time do Oriental tava sem o treinador pra completar os 12. Aí eu fui buscar a bola e no lugar de devolver a bola, fiquei brincando com a bola. Aí o menino falou “ei, entra ali pra completar”, aí eu disse “aonde?”, e ele “ali!”. Eu disse “lá na ponta, é?!”, ele respondeu “é!”, e eu disse “não, não, na ponta eu num vou não”, e ele “mas, rapaz, você não quer jogar na linha?”, aí ficaram uns gritando dali, outros gritando dali, e eu fui pra ponta então. Aí eu fiquei dominando a bola e eles me dizendo “ei, jogue a bola, jogue a bola!”. Aí o presidente do clube (Don Alberto Beauchacourt), que era o patrão da minha mãe, tá lá olhando o treino, aí ele olhou, olhou, aí ele me reconheceu e me chamou “vem cá, você quer jogar no Oriental?” e eu disse “pelo amor de Deus, nem me fale um negócio desse. Se a minha mãe souber que eu tou aqui, ela vem e me dá uma surra. E ele “não, não, não. Então eu vou falar com sua mãe. Aí eu comecei a chorar, pois sabia que ia levar uma surra por causa disso. Eu já sabia como ela era e já ia preparado. Eu sei que terminou esse treinamento, ele fui embora, eu fui pra casa, quando de repente eu olhei vai descendo um carro na rua. A rua onde eu morava cheia de buracos, e o carro devagarzinho. Quando eu olhei o carro, era ele. Aí comecei a chorar, ia levar uma surra, né?! Aí ele começou a conversar com minha mãe, e a minha mãe disse “ele não vai jogar bola não. Porque o irmão mais velho dele quebrou a perna lá no Huracán e vocês e deixaram ele caído lá. Eu tive que ir lá buscar ele pra levar ao hospital”. Mas não foi ele, né? Não foi o time do Oriental, era o time do Huracán. Importante aqui destacar que, como o contexto é em Rivera, o Huracán citado não é o argentino.
FF: Então a sua mãe tinha esse trauma do futebol por conta dessa perna quebrada?
DM: é, foi. Aí ela “ele num vai não, vai não”. Aí o cara disse “não, mas ele vai jogar no Oriental”. Só que a minha mãe fazia faxina na casa dele, da família dele. Aí ele disse “tá bom, a senhora não quer que ele vá jogar?” Aí ela “vai não, se ele for jogar eu dou-lhe outra surra”. Aí ele disse “tudo bem, tá certo, a senhora não quer. Agora a senhora fique sabendo de uma coisa: a senhora não trabalha mais na minha casa. Aí foi um choque. Ela começou a chorar. Meus irmãos chegaram…foi um deus-nos-acuda. O bairro todo já de olho. Primeiro um carro lá, sendo que nunca tinha carro lá. Todo mundo queria saber o que estava acontecendo.
FF: Danilo, do Oriental você já parte para o Nacional, que ao lado do Peñarol já é o clube mais tradicional. Logo em 1962, você já se torna o jogador mais jovem a estrear em Libertadores pelo Nacional. E em 63 você já sai campeão uruguaio. E na Libertadores de 64, o Nacional também faz uma campanha maravilhosa chegando à final com o Independiente da Argentina. Você jogou, digamos, 99% da competição, mas nos dois últimos jogos (as duas finais) você não esteve presente. Qual foi o motivo?
DM: Eu tive uma contusão. Nessas bolas divididas, que o cara dividia e ficava com o pé levantado, o beque rebateu a bola, eu vinha, corria com a bola dominada, e quando ele deu o chute, eu toquei. Quando toquei, o pé dele entrou no meio das minhas pernas e pegou de cheio os testículos. Eu já caí desmaiado. Eu fui cirurgiado.
FF: É, um chute no testículo é danando né, Danilo?
DM: Ohhh, menino! Eu num vi nada. Eu só lembro do chute e caí. Só fui acordar no hospital. Aí fiz a cirurgia pra normalizar as coisas, pois tinha rompido uma veia do testículo. Aí, pronto, fiquei fora desses dois jogos. Eram os mais importantes. Até hoje foi o pior momento que eu passei no futebol foi esse.
FF: Em 64, o Nacional sai vice para o Independiente que na década seguinte se tornaria o “Rey de Copas” com o tetracampeonato de 72 a 75. Até hoje é o Rey com 7 títulos da Libertadores.
FF: Danilo, você dividiu campo, foi companheiro de jogadores históricos. Você é um histórico também, tanto no futebol uruguaio como no futebol brasileiro. Tem alguma história que você lembre ou algum companheiro que você queira recordar neste momento? Você jogou com Urruzmendi, você jogou com Douksas…
DM: Pedro Rocha na Seleção…eu tive sorte que nessa época só tinha grandes jogadores. Nós tínhamos Pelé, Coutinho, Pepe, Mengalvio, o time do Santos aquele timão. Quer dizer, eu tive um desprazer, né, de jogar contra esses caras. Porque o Santos tomava 4 e fazia 5, 6. Então eu tive esse choque de prazer.
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FF: Por falar no Santos de Pelé, vamos já já tratar de um jogo inesquecível no Maracanã, no qual o senhor esteve presente e teve algumas boas jogadas ao longo da partida.
FF: Danilo, a sua boa campanha no Campeonato Uruguaio de 63 e sua ótima campanha na Libertadores de 1964, por mais que você não tenha participado da final, mas é uma bela campanha, esses números permitem a você chegar à Seleção Uruguaia. Com a Seleção você tem ao todo, segundo os dados que constam no site da “Asociación Uruguaya de Fútbol” (AUF), 8 jogos oficias: 5 vitórias, 2 empates e 1 derrota. Você lembra da sua data de estreia, Danilo?
DM: Eu não lembro não, disse Danilo sorridente.
FF: Pois aqui e agora está a surpresa (antes da entrevista, foi dito a Danilo que ele se surpreenderia principalmente com uma data que o Papo na Colina traria durante a conversa. E a data, Danilo, é: 25 de abril de 1965. Daqui a dois dias, Danilo, domingo agora dia 25 de Abril, temos 56 anos da sua estreia com a camisa Celeste. 56 anos, Danilo!
DM: é outra coisa que me orgulha, conhecer pessoas na imprensa, que verdadeiramente trabalham, porque elas além de fazer você lembrar uma data, descobrem uma nova data que você não lembra. Até porque o esporte é uma coisa que nos faz viver momentos inesquecíveis e faz esquecer momentos também inesquecíveis. A memória tem essa traição. Às vezes você tá conversando com uma pessoa e ela diz um negócio e você fica aqui pensando se é verdade, mas é verdade. Ás vezes o pessoal fala “Danilo, em 50 tu tinha quantos anos, tu já jogava, né?” Eu não jogava, mas a pessoa de uma certa forma está me dizendo que eu joguei naquela época de ouro do futebol. 50 foi uma época de ouro, e embora o Brasil tenha perdido, foi emocionante para os que estavam lá, para os que se juntavam no radinho em casa, né? E eu que num tava lá, mas depois de uns anos participei disso aí.
FF: Danilo, nesse seu jogo de estreia em 25 de Abril de 1965 contra o Paraguai infelizmente é uma derrota por 2-1, mas há duas que gostaria de destacar aqui pra você. Primeiro um jogo pela Copa Pinto Durán (um 0 a 0 contra o Chile), que era um torneio preparatório para as Eliminatórias, que por sua vez levariam ao Mundial de 66. Pesquisando sobre suas atuações pela Seleção, nesse 0 a 0, a revista chilena El Estadio, a principal no Chile entre 1941 e 1982, falando desse empate em Santiago, destaca “la habilidad del puntero Danilo Meneses”. A principal revista esportiva da época no próprio Chile falando da sua habilidade.
DM: Eu hoje escuto muito essas coisas, num programa da imprensa, ou num programa de entrevista, que nós naquela época tínhamos muito jogadores de qualidade. Hoje nós não temos mas isso. O jogador vivia do futebol, era o meio de sobrevivência. Então, fazia disso uma profissão e agarrava com unhas e dentes, o que não acontece hoje. Hoje a coisa tá tão facilitada que o garoto já tá com um contrato na mão que nem é ele que usufrui isso.
FF: Danilo, o seu primeiro e único com gol com a camisa Celeste é na goleada por 5 a 0 sobre a Venezuela no Estadio Centenario de Montevideo. Você lembra desse gol?
DM: Olha, eu não lembro bem…
FF: Foi o quarto gol, aos 16´da primeira etapa. Pedro Rocha faz 1 a 0 aos 18´ e seu companheiro Héctor Silva faz os outros três. E ainda sobre sua passagem pela Seleção, Danilo, há um fato importante nessas Eliminatórias de 1965, que é a retirada do zagueiro William Martínez dos gramados. Ele esteve nos onze que venceram o Brasil na final da Copa de 50. Era um grande zagueiro. E mencionar também que você dividiu campo, pela Seleção, com Mazurkiewicz, que na época era considerado o melhor goleiro do mundo.
DM: É verdade. Tive a felicidade de fazer parte da época de ouro do futebol uruguaio. Tive grandes companheiros jogadores extraordinários.
FF: Danilo, aprofundando-se ainda mais nas suas atuações na Seleção Uruguaia…é, você não participa do Mundial de 1966. Você encontra um motivo por não ter ido?
DM: Em 66, foi o primeiro ano que libertaram os jogadores que estavam no estrangeiro a vir jogar no seu país de origem. Aí Amarildo veio da Itália e tal. Mas eu tinha vindo pro Vasco já tinha terminado a fase classificatória pro Mundial. Quando eu cheguei no Vasco foi praticamente na final do Campeonato Carioca, que até foi o Bangu campeão. No jogo anterior, eu fiz o gol que o Vasco ganhou de 1 a 0 do Bangu e o Bangu foi jogar com o Flamengo a final (Maracanã; 20 de novembro de 1965; gol aos 6´do ST segundo informa o Blog do Marcão). O que mais interessava mesmo era que você encontrava um jogador mais famoso que você e esse jogador fazia questão de lhe abraçar, de lhe cumprimentar, essas eram coisas que valorizavam. A gente se encontrava, por exemplo, no Rio de Janeiro, nós jogávamos o Rio-São Paulo, então o Santos ia jogar, jogava uma no Rio e outra em São Paulo. No Rio eu morava no Posto 2 em Copacabana e era só amizade sadia.
FF: Bem, Danilo, falando agora da sua chegada ao Vasco. Você chega em 1965 numa quarta à noite, e no domingo tem um grande jogo. Que jogo é, e como foi pra você?
DM: A final da Taça Guanabara de 1965. Esse jogo pra mim foi ótimo, só que eu tinha um Mané pra marcar. O Oldair lateral esquerdo era quem dava o segundo combate, já mais atrás ele ia encontrar Fontana que era o quarto zagueiro, e se passasse de Fontana, Brito pegava ele. Essa foi a ordenação de Zezé Moreira. Aí, vamos pro jogo, vamos ver o que acontece com esse “Mané, Mané, Mané” que a torcida gritava. Aí deram a saída, bola pra ele, quando eu fui mexer pra ir ele já tinha passado. Puta merda. Eu disse a Oldair mesmo sem falar e entender quase nada do português “eu vou dar o primeiro combate” ao Oldair, ele era meu amigo, jogava muito. Ele me disse “você faz só a paredinha pra ele”. Quando eu preparava pra pegar, ele já tinha passado e a galera só rindo. Sabe de uma coisa? Ele deixava a bola correr e depois pulava por cima da bola pra lá e pra cá, e a bola sempre correndo em linha reta. Fazia isso com uma velocidade danada. Sabe de uma coisa? Vou deixar ele fazer, vou esperar ele, quando ele tiver pertinho aí vou me jogar na perna dele. Ele já tá aleijado mesmo. Esperei, esperei, esperei, e ele deixando a bola correr pulando daquele jeito. Aí eu me joguei, quando ele voltou eu já tava no ar. Peguei. Dei-lhe a tesourada. Aí escutei a torcida toda no estádio em pé sorrindo, mas por que eles estão rindo se eu tou com o aleijado no meio das minhas pernas aqui? Era o Oldair, que tinha pensado a mesma coisa que eu.
FF: (Risos, muitos risos) Danilo, agora recordando um grande jogo no Pacaembu, na estreia de Garrincha pelo Corinthians agora. Você venceu Garrincha contra o Botafogo, e voltou a vencê-lo um ano depois pelo Torneio Rio-São Paulo de 1966 que terminou com quatro ganhadores, já que não houve desempate.
DM: Armando Marques era o árbitro…
FF: Isso, tá la na ficha técnica. Danilo, Vasco 3 a 0. Você jogou com Célio, Maranhão, Oldair, Renê que era um monstro…
DM: Mário, Lorico…
FF: Só craque. Por mais que não tenha sido uma época tão gorda pro Vasco em títulos, mas era um Vasco cheio de craques.
DM: Erandy Montenegro chegou depois de mim, no ano seguinte.
FF: Grande companheiro seu, de futebol e de vida (e aqui é importante citar o episódio do Museu da Pelada, dirigido por Rubens Lemos Filhos, que conta com as ilustres presenças de Erandy Montenegro e Danilo Meneses, uma resenha completamente vascaína que pode ser vista no Youtube do Museu da Pelada).
DM: Menino, demais!
FF: Tem um lance nesse 3 a 0 contra o Corinthians no Pacaembu, que você conduz a bola com a canhota, Danilo, e depois abre pra Maranhão dar uma paulada indefensável pro goleiro. O que você fala, Danilo, desse jogador canhoto? O canhoto é um ser mais habilidoso? Ele é melhor?
DM: Não, não, é porque o canhoto a pessoa olha pra ele e como vê ele trocado, você acha que ele tem mais habilidade que o outro. Mas tem o mesmo peso na balança. Como ele já joga com a perna diferente, você já imagina que ele é diferenciado. Ele pode até ser mais habilidoso, mas é pouca coisa.
Importante aqui ressaltar que ainda por esse Torneio Rio-São Paulo de 1966, na partida Vasco 1 x 0 São Paulo, no Maracanã em 9 de Março, há um passe de Danilo Meneses para Célio soltar uma paulada no canto direito do goleiro. Em vídeo que traz os registros desse gol, o apresentador do programa Gol o Grande Momento, Milton Neves, começa já citando “Danilo Meneses o uruguaio”. E na partida 1 entre ABC x Vasco da Gama no “Frasqueirão”, válida pela segunda fase da Copa do Brasil 2011, competição vencida pelo Vasco, Danilo Meneses recebeu homenagem da diretoria abcdista pelos serviços prestados.
FF: Em 68, há outra grande partida, novamente contra o Botafogo, pelo primeiro turno do Campeonato Carioca. Vasco 2 a 0. E aí nós podemos destacar Brito, Fontana…
DM: Maranhão, Lorico…
FF: Também. Quais eram os seus grandes companheiros de Vasco da Gama, alguma história que você queira resgatar, uma resenha?
DM: Eu tive muita sorte quando cheguei lá no Vasco. Sorte de ter ido pro Vasco, sorte de participar de jogo com a torcida do Vasco. E sorte pelos companheiros que eu tinha. Esses que nós falamos agora, todos foram jogadores de alto nível, jogadores que não tinham nenhum ´não-me-toque’ não. Como eu já disse, cheguei lá numa quarta pra jogar no domingo. Eu passei o fim de semana conhecendo os caras, os caras falavam e eu tinha que sorrir sem querer e não sabia o que realmente me esperava. Se falava muito de que quando o cara chegava no time os outros boicotavam. Mas não tinha nada disso não, os caras queriam era um companheiro a mais. Eu graças a Deus fiz parte disso. Eu tive a felicidade de lá no Vasco…Oldair morava na Ilha do Governador, Brito morava na Ilha do Governador, Maranhão morava na Ilha do Governador.
FF: Com a camisa do Vasco da Gama você esteve no jogo do gol 1000 de Pelé no Maracanã. Como foi estar em campo, tocar na bola, fazer boas jogadas (é possível ver um compacto dessa partida hoje na internet), como foi dividir campo com grandes atletas. Ali tinha Brito, Fontana, Pelé, Toninho Guerreiro, como foi fazer parte desse grande jogo?
DM: Olha, primeiro foi supreendente porque o Santos tava no Nordeste goleando as equipes. E, chegou um certo momento, que nós achávamos que o Santos ia fazer o milésimo gol na Bahia. Foi o penúltimo jogo deles, na Bahia. O Santos inteligentemente, com sua diretoria, tirou Pelé na metade do jogo, botou Pelé no gol. Os caras lá da Bahia tavam abrindo pra ele fazer o gol (na verdade, esse episódio de Pelé ter jogado de goleiro se dá uma partida antes em João Pessoa, contra o Botafogo da Paraíba após contusão do goleiro Jair Esteves. Pelé não hesitou em defender o arco santista, pois já havia feito um gol na goleada por 3 a 0 no “Almeidão”).
FF: Queriam um gol de Pelé no Maracanã…
DM: O Vasco queria lá e o Santos também queria. O Vasco porque Pelé era vascaíno e pro Santos era maravilhoso por fazer no maior estádio do mundo. Tinha tudo. Nós tínhamos um goleiro Andrada, um goleiraço ele, de primeira linha. No primeiro tempo o Santos saiu ganhando de 1 a 0. (Na verdade foi o Vasco que abriu o marcador naquela partida, com o gol de Benetti aos 16´do primeiro tempo).
FF: Você se comunicava bem com Andrada? Você falando a mesma língua que ele era um companheiro mais íntimo seu digamos, um argentino e um uruguaio?
DM: Era, era…ele era um cara espetacular.
FF: Daquela partida, Danilo, lembro muito da sua produção com a perna esquerda, era uma perna esquerda tranquila, uma visão de jogo muito ampla, um passe certeiro. Tem algum jogador hoje Danilo que você se enxergue nele? Do Vasco ou do futebol como um todo.
DM: Ah, tem muitos jogadores. Nós não temos mais jogadores da mesma qualidade de antigamente, porque antes o atleta escutava seu treinador e jogava pelo que seu treinador dizia. Hoje não, ninguém quer saber mais de treinador, quer saber dele. Ele faz o dele, ele não quer saber nem dos companheiros.
FF: Danilo, a Revista do Esporte (N. 474), de grande veiculação na época, em 68 traz na capa você e Toninho Guerreiro, do Santos, e diz assim: “O Vasco tem um novo príncipe Danilo”, falando de Danilo do Expresso da Vitória, e que agora um outro Danilo, com a perna canhota e uruguaio, organizador do meio de campo e muitas vezes homem-gol. Danilo, qual é a importância da função que você desempenhava em campo?
DM: A importância era primeiro de escutar os mais velhos. Tinha isso como parte do jogo, você escutar o mais velho, ou a estrela. Mas a estrela é secundária, porque você tem que escutar o mais velho. Se dizia que o mais velho ele tava ali já pra ensinar e deixar o cara jogar.
FF: Como você considera as suas atuações? Um carregador de piano? Um armador habilidoso? Como você definiria as suas atuações?
DM: Olha, eu tinha tempora que eu fazia gol. Tinha temporada que eu passava em branco. Mas assim, eu jogava muito pelo meio. Eu gostava de jogar pela meia esquerda, pois era o lugar onde você circulava mais, você recebia mais bola, então eu jogava naquele setor ali. Mas eu acho que o que eu fazia com perfeição era o passe. Com profundidade eu colocava os meus companheiros de frente pro gol. E gostava disso. O jogador que sabe passar já leva meio time nas costas, pois ele vai botar seus jogadores, seus companheiros. Tem um jogador do Flamengo agora, é até uruguaio ele, Arrascaeta, ele encontra os companheiros livres os 90 minutos. A bola chega nele ele já sabe o que vai fazer, e isso é bom pro time, porque você vive de vitórias. Então, se você tem um meio-campo que articula…o que aquele Jesus fez com o Flamengo foi um ensinamento ao futebol brasileiro. Antes não faziam, agora tá todo mundo querendo fazer, mas não faziam isso.
FF: Danilo, nós estamos no Estádio Maria Lamas Farache, o “Frasqueirão”, a casa do ABC Futebol Clube de Natal/RN, que é o clube ao qual você se dirige logo após sair do Vasco da Gama. Aí você pega uma década de 70 brilhante no ABC. Você esteve ao lado de Alberi, de grandes craques. E ai eu gostaria de saber, Danilo, com todo o perdão pela pergunta, qual Danilo é melhor: o da década de 60 ou o do da década de 70?
DM: Ah, eu acho que o da de 70. Porque na década de 70, eu já tava mais equilibrado. Já sabia o que eu devia ou não fazer durante o jogo, antes do jogo e depois do jogo, entendeu? Os cuidados que devemos ter.
FF: Você sai campeão diversas vezes, né? Em 99 recebe o título de cidadão natalense e também atleta do século com a camisa do ABC. Alberi, seu companheiro, foi Bola de Prata no começo dos anos 70.
DM: Foi no campeonato nacional, né? No primeiro campeonato nacional. Ele fez maravilhas. Só não fez chover porque ninguém faz chover, né?
FF: Alberi era um absurdo! Você sai campeão em 76, Danilo, pelo ABC Futebol Clube. Agora queria fazer uma pergunta sobre dois estádios nos quais você muito jogou: São Januário e o antigo João Machado, o “Machadão” em Natal. O que você pode destacar dessas duas canchas, desses dois estádios?
DM: Bom, a gente não pode fazer comparações. O Machadão, aliás, os estádios naquela época, na minha época, eram deficientes. Tinha só a armação de cimento e o terreno, o campo de jogo era horrível, era cheio de buracos, era dificultoso pra dominar a bola, tudo era antidesportivo. Agora não, mudou, isso que tou conversando num é pra dizer que os jogadores não jogam hoje porque os estádios são muito bonitos, nçao, tem nada a ver uma coisa com a outra. Não se joga porque nós aprendíamos a jogar no meio da rua, no ‘paralepípedo’. Hoje você aprende sem nenhuma dificuldade, é um gramado que parece que está dentro de casa. Aí quando você enfrenta uma dificuldade qualquer, você apanha.
FF: Bem, já estamos chegando ao fim dessa entrevista, e pra concluir com chave de ouro…Danilo, você tem noção do lugar que você ocupa como uruguaio, como jogador estrangeiro, no Vasco da Gama? Hoje o Vasco tem Germán Cano, mas Danilo sabe o seu lugar no Vasco?
DM: Não, eu sei que eu fiz parte de um esquadrão nota 100. Foi espetacular.
FF: Danilo, você, e isso já é pesquisa de muitos vascaínos, é o 8º maior artilheiro estrangeiro com a camisa do Clube de Regatas do Vasco da Gama, com 17 gols. Danilo, muito obrigado por tudo que você fez pelo Vasco da Gama, pelo futebol como um todo.
Por Felipe Ferreyra