PRAZER EM CONHECÊ-LO, MARACANÃ!
Leandro A. Rodrigues
Penúltimo domingo de outubro de 1988. Mais precisamente: 23 de outubro. Vasco e Fluminense enfrentam-se para decidir a liderança do Campeonato Brasileiro. Para muitos geraldinos e arquibaldos, trata-se apenas de mais um jogo. Importante? Sim! Mas, simplesmente, rotineiro. Porém, para um certo Menino, que está prestes a completar nove anos de idade, significa a realização de um sonho: o de assistir a um jogo de futebol no, então, maior estádio do mundo.
O dia maravilhoso reveste uma capa azul clarinho para receber o mais novo visitante. O sol, deus dos índios, dá um “boa-tarde!” ansioso ao mais novo frequentador daquele recinto de glórias mil.
Um tumulto, em princípio, assusta o Menino que segura a mão do pai sofregamente, expressando a maior das realidades existentes: a figura heroica que um pai representa na vida de um menino.
Em meio a tanta gente, o pai zela pelo filho e o coloca nos ombros (como se estivesse a brincar de cavalinho), para vencer, paulatinamente, as filas das bilheterias.
Finalmente, conseguem entrar. O Menino emudece-se. Fica estupefato com a imensidão daquele Gigante, chamado Maracanã. Os olhos confusos não sabem o que querem prestigiar primeiro: o campo, as cabines de rádio e televisão, as tribunas de honra, as gerais, as cadeiras, as “bandeiras nervosamente desfraldadas” – como dizia o saudoso Valdir Amaral – ou o seu pobre coração pueril, incapaz de conter tanta novidade, tanta emoção; e, incapaz de conter as lágrimas que saltam do peito, ainda tão imaturo, mas já entregue à sensibilidade, quando em grito uníssono ouve: VASCO!!! VASCO!!! VASCO!!!
“De repente, não mais que de repente”, como diria o poeta, os autofalantes anunciam, juntamente com o placar eletrônico, a equipe vascaína, que, ainda hoje, o Menino é capaz de lembrar (Acácio, Paulo Roberto, Célio, Marco Aurélio e Mazinho; Zé do Carmo, Geovani, Ernâni e William; Vivinho e Sorato).
O foguetório ensurdece a todos que não se intimidam e o acompanham com canções futebolísticas, enquanto o nosso Menino, agora, já íntimo do templo do futebol, começa a perder a voz antes mesmo do início da partida, porque não se cansa de gritar, de pular. Não se cansa de desfrutar de um estado que, só mais tarde, saberia o nome: catarse.
Os noventa minutos se passam com uma velocidade espantosa. As sensações, durante este período, variam: ora alegres, ora tristes; ora calmas, ora nervosas; ora tranquilas, ora agitadas. Até o momento em que o jogo se finda, com o placar estando em branco. Não há alternativa. A partida terá que ser decidida nos pênaltis.
Dos cinco primeiros de cada equipe, são convertidos três para cada lado. O nervosismo cresce, pois, agora, as cobranças serão intercaladas e a probabilidade de derrota aumenta. O empate teima em persistir. Agora, está 8 x 8. O nosso Menino rói as unhas, ansioso e admirado, pois, pela primeira vez, assiste a uma disputa tão acirrada. Todos os jogadores da linha cobraram. Agora, só restam os goleiros. O Menino, ajoelhado, sofre. O silêncio é absoluto. O goleiro tricolor baterá a sua penalidade. O Menino narra, em seu interior, conforme assiste nas transmissões televisivas: partiu Ricardo Pinto. Pé direito na bola e… defendeu Acácio! O goleiraço defendeu! A alegria é total.
O silêncio extingue-se por alguns minutos para a comemoração vascaína, no entanto é restituído em breve, porque, agora, o goleiro vascaíno irá para a cobrança. O
Menino, mais uma vez, narra em seu interior: partiu Acácio. Pé direito na bola e… guardou!!! Gol!!!!! A alegria é geral! O Maracanã explode com a comemoração vascaína! O Menino, chorando e com o sorriso nos lábios, abraça o pai, que, satisfeito, comemora, não apenas a vitória do seu time, mas sim uma vitória bem maior, a vitória mais almejada por todo aquele que é pai ou por aquela que é mãe, a vitória de ver o seu filho feliz.
São decorridos quase trinta e dois anos daquela data. Aquele Menino de nove anos acabou crescendo, simplesmente, porque não ficou ileso ao tempo. Hoje, ele ousa escrever “desabafos”, como esta crônica; todavia, mesmo tendo passado tanto tempo, ainda consegue recordar-se perfeitamente daquele dia. Sinal que, felizmente, ainda há um pouco daquele Menino em mim.
(In: RODRIGUES, Leandro A. Sincretismo Literário. Petrópolis: KBR, 2012, p.72-73)
Gol de Acácio, em 1988 – Video: Reprodução / Internet