LANCES DO PASSADO
Leandro A. Rodrigues
O futebol possui muitas formas de ser jogado. Não há somente um jeito. Existe o futebol de resultado, existe o futebol pragmático, existe o futebol de contra-ataque, existe o futebol de imposição, existe o futebol desorganizado e existe o futebol arte. Claro que o torcedor deseja sempre assistir à vitória do seu time. Na realidade, muitos torcedores sequer assistem aos jogos, pois, nos tempos atuais, para muitos, ficar noventa minutos parado diante de uma tela seria perda de tempo. Li, há certo tempo, que as crianças e os adolescentes de hoje não têm paciência para ver uma partida de futebol do início ao fim, já que vivemos em uma sociedade em que todas as coisas devem ser rápidas, práticas e instantâneas.
É óbvio que gosto de ver o meu time vencer. É óbvio que prefiro a vitória a uma bela atuação seguida de derrota. Já vi jogos memoráveis em que aquele, que deu um espetáculo, saiu derrotado. Também já vi jogos, mais memoráveis ainda, em que o artista encantou e nos deleitou com a vitória. Eis a combinação perfeita. Trata-se do momento sublime e áureo.
Quando criança, embora ainda não tivesse ouvido a famosa frase de Dener (02/04/1971–19/04/1994), que “Um drible é mais bonito que um gol”, sempre fui fascinado pelo drible, pelo lance espetacular, pela jogada plástica. Amava a cobrança de falta bem batida, a jogada desconcertante. Por isso, hoje, com o auxílio da internet, sempre que possível, revejo gols, dribles e jogadas que habitam em minha memória. Trata-se de uma memória afetiva. Sei disso. No entanto, mesmo aos quarenta e um anos de idade, ainda me emociono com lances que presenciei e com outros que aconteceram quando eu sequer havia nascido. É delicioso ver Garrincha fazer os seus joões de bobôs. É magistral comemorar o balãozinho de Pelé, que resulta no terceiro gol do Brasil contra a Suécia, na final da Copa de 58. E, desse modo, tantos outros lances, como o gol de Carlos Alberto Torres em 1970; o chute de Pelé, antes do meio de campo, contra a Tchecoslováquia; o drible do rei em Mazurkiewicz; a defesa de Banks; a sequência de defesas de Rodolfo Rodrigues na Vila Belmiro; o elástico de Rivelino contra o nosso Gigante em 1975; o chute curvilíneo de Nelinho na Copa de 1978; a folha seca de Didi contra a França na semifinal de 1958; o gol de Maradona contra a Inglaterra em 1986; a falta cobrada por Zico contra o Santa Cruz em 1987; os cinco gols de Roberto Dinamite contra o Corinthians, em seu regresso ao Vasco em 1980; a tabela sensacional entre Falcão e Escurinho na semifinal do Brasileirão de
1976; o gol de Cocada na final do Carioca de 1988; o golaço de Dinamite contra o Botafogo em 1976; o chapéu de Romário em Zé Carlos, no primeiro jogo da final de 1988; o voleio de Bebeto contra a Argentina na Copa América de 1989; o gol de Juninho no Monumental em 1998; o gol de Edmundo contra o Manchester United, no Maracanã, em 2000; as arrancadas certeiras de Messi pelo Barcelona; a cabeçada impressionante de Cristiano Ronaldo pela Juventus; a velocidade dos antigos pontas: Mário Tilico, Sérgio Araújo e Mauricinho; o gol de Dener contra a Inter de Limeira em 1991; a sequência de balões de Ronaldinho Gaúcho contra o Athletic Bilbao; o corta-luz de Rivaldo contra a Alemanha em 2002. Ao revisitar jogadas assim, sinto uma alegria inefável. Trata-se do futebol em seu estado puro. Trata-se de uma obra de arte feita ao vivo, tendo milhares de pessoas como testemunhas.
No ano de 1987, houve um torneio de Masters, a Copa Pelé, promovido pela Rede Bandeirantes. Ainda hoje, emociono-me quando vejo os lances do ponta-direita Cafuringa para cima dos seus marcadores. O lendário Silvio Luiz, narrador da emissora na época, emocionava-nos sempre que o camisa número sete partia em confronto com os defensores, dizendo: “Humilha, Cafu. Humilha! Ih… Humilhou!”.
Em 1988, mais precisamente no dia 11 de setembro, em São Januário, para 7295 pagantes, aconteceu um lance que, infelizmente, é mencionado por poucos vascaínos e, talvez, seja desconhecido por muitos até os dias de hoje. Naquele dia, o nosso Caldeirão assistiu a um gol antológico. O nome do artista? Welves Dias Marcelino, conhecido como Vivinho (10/03/1961-13/09/2015). Ele era o camisa número sete vascaíno. O jogo era pela terceira rodada da primeira fase do Campeonato Brasileiro daquele ano. Vasco e Portuguesa enfrentavam-se para um duelo lusitano. O time do Canindé vencia por um a zero, gol do atacante Toninho. No primeiro minuto do segundo tempo, Vivinho recebeu a bola dentro da grande área da Portuguesa, deu três lençóis (balãozinho/chapeuzinho ou como quiser chamar) em Capitão, camisa número cinco do time paulista, e, de canhota, fez um golaço. O Vasco venceu aquele jogo por quatro a dois. Gosto muito desse gol. Gosto de ver a sequência. Gosto de ver a maneira inusitada como o atacante engana o marcador que se atira desesperado, tentando bloquear o chute a gol que só acontece após o terceiro drible. É, como disse acima, o futebol em seu estado mais puro.
Após revisitar jogadas assim, há um frenesi em mim. Há uma satisfação indizível. Há a certeza de que o futebol não é apenas um esporte. Há a certeza de que o futebol é um jogo sublime e encantador. Há um relembrar do motivo pelo qual sou apaixonado por esse jogo e pelo Vasco da Gama. E, desse modo, diante da inoperância atual do nosso Gigante da Colina, posso encontrar a satisfação, desconhecida do presente, em inesquecíveis lances do passado.
Saudações Vascaínas!