As ótimas atuações do meia argentino Martín Benítez, tanto no Paulistão 2021 como na Copa Libertadores, têm provocado comparações por parte do torcedor vascaíno, e muito mais no aspecto físico, de força e resistência. No entanto, é importante frisar que se há diferenças entre o ex-camisa 10 do Vasco e o atual camisa 8 do São Paulo, elas se devem ao contexto de cada clube. A gestão Campello foi um verdadeiro desastre no financeiro e principalmente no futebol, o que acabou fazendo com que Martín Benítez tivesse outro destino em 2021. A quarta ida à Série B foi decisiva para a diminuição na arrecadação do Vasco da Gama e com isso todo um enxugamento da folha salarial se fez necessário, e um craque como Martín Benítez teve que deixar o clube. A incompetência de uma gestão representou e ainda representa trabalho árduo para a atual.
Desde o fim do ano passado que já não são mais surpreendentes notícias, análises ou comentários abordando as deficiências na preparação física do Vasco, tanto é que o ganho de massa muscular, de força, de vontade e de velocidade por parte do atual elenco é notícia semanal e motivo de alegria para o torcedor. Da crítica especializada ao mais popular dos torcedores, todos têm notado tal mudança no quesito físico do Gigante da Colina. As recentes atuações de Martín Benítez com a camisa são-paulina, principalmente contra o Sporting Cristal pela Libertadores em Lima e as últimas partidas pelo Paulistão. Foi possível ver um Benítez que corre mais, que até destrói algumas subidas do adversário, que conduz com maior desenvoltura, enfim, para resumir, com maior preparo físico.
Claro que o torcedor vascaíno ainda tem muito frescas em sua memória o golaço contra o Atlético Mineiro no Mineirão, embora aquela partida tenha terminado numa goleada para o time treinado até então por Sampaoli, o gol contra o Goiás pela Copa do Brasil, o golaço de falta contra o Palmeiras no Allianz, e as belas jogadas na vitória em São Januário contra o “Galo” por 3 a 2. Contudo, o sentimento que hoje tem o cruzmaltino é de que no Vasco ele apresentou menos do que hoje apresenta no clube do Morumbi, e essa comparação encontra-se justamente na sua disposição física e na sua resistência e força para aguentar os trancos dos marcadores e não lesionar-se facilmente.
E qual é o segredo para tal mudança no físico do atleta? Tal mudança passa, principalmente, pelo preparador físico Alejandro Gabriel Kohan, mais conhecido como o profe Kohan. Claro que o treinador Hernán Crespo também tem sua enorme parcela na melhora do meia, pois encontrou para ele um local de atuação onde pode flutuar e encontrar os companheiros e promover infiltrações. Os dois compatriotas, Kohan e Crespo, tiveram decisiva participação na ida de Benítez para o clube paulista. Alejandro Kohan sabia bem o jogador que estava recebendo, já que trabalhou com ele em boa parte da vitoriosa campanha do Independiente na Copa Sulamericana de 2017, cujo último ato foi mais um maracanazo sobre o Flamengo. O outro havia sido em 1995 pela Super Copa.
No time de Avellaneda, Kohan teve um Benítez com alguns problemas de lesão, coisa que até hoje alguns vascaínos reclamam, mas com todo um trabalho de condicionamento de potência e resistência, conseguiu produzir um atleta que rendeu e apresentou bons resultados em campo. Em uma das memoráveis partidas do Rey de Copas campeão em 2017, Martín Benítez era dúvida para enfrentar o Atlético Tucumán no Estádio Libertadores de América, mas a preparação de Kohan possibilitou-lhe jogar e fazer um golaço, com uma bomba indefensável, lá na gaveta, de fora da área. Esse gol de Benítez devolveu ao torcedor do Rojo a ilusão de ser mais uma vez campeão continental.
Kohan deixou o Independiente poucas semanas antes da final no Maracanã após discussão com o técnico Ariel Holan, quem recentemente deixou o Santos após ameaça de torcedores, por questões de desacordo financeiro. Embora não tenha estado naquela noite de 13 de dezembro no Estádio Mário Filho, é inegável que o seu brilhante trabalho de preparador físico esteve. Sem Kohan teria sido quase impossível tal conquista. Ter feito parte dessa campanha campeã é motivo de orgulho para Kohan, pois repete o feito do seu mentor intelectual e padrinho no futebol, o professor Luís Bonini, que foi nada mais nada menos que preparador físico de Marcelo Bielsa na Seleção Argentina e na Seleção Chilena, e era o preparador do técnico Miguel Ángel López no bicampeonato da Supercopa em 1995 sobre o Flamengo.
Alejandro Kohan é profissional de muito estudo, de profundo alinhamento com a neurolinguística, tanto que o livro do seu compatriota neurologista Estanislao Bachrach, é como uma bíblia de trabalho. Nesse livro, intitulado En cambio: aprendé a modificar tu cérebro para cambiar tu vida y sentirte mejor, Kohan aprendeu como tudo começa no cérebro, e aplicando ao futebol, percebeu como o treinamento é da cabeça aos pés e não o contrário. Antes era tudo como se fosse atletismo, na força e na potência, mas a modernidade trouxe uma interdisciplinaridade com a neurociência e a coisa mudou.
Alejandro Kohan é o profissional que a gestão de Alexandre Campello não teve, e os treinadores que ela trouxe para São Januário são a antítese do argentino. Tanto Ricardo Sá Pinto como Vanderlei Luxembrugo, não apresentaram bons resultados em campo, ou seja, não fizeram o time jogar. E em entrevista para o Diário Lance!, o preparador físico de Luxemburgo, o tão conhecido Antônio Mello, deu declaração no mínimo curiosa. Afirmou que, sua tão conhecida caixa de areia para trabalhos de força e potência, é contestada por cientistas e fisiologistas, mas dá resultado. Bem, se é contestada por cientistas e fisiologistas, por qual motivo então trabalhar com ela? Por qual motivo insistir no que não é utilizado mundialmente e nas melhores ligas? É como se a caixa de areia fosse a cloroquina do futebol. O Vasco da Gama teve profissionais ultrapassados, que não estão em contato nem muito menos em harmonia com o que de mais moderno existe quando se trata de preparação física e tática.
Martín Benítez é um ótimo jogador, mas esteve em meio a um contexto de baixa qualidade profissional, o que não lhe permitiu melhorar física e taticamente. O problema não estava no atleta, mas sim nos que não foram capazes de potencializá-lo. O São Paulo achou um caminho para o camisa 8. O Vasco, agora com Marcelo Cabo e sua comissão, parece ter começado a encontrar o seu para 2021, mesmo que sem o seu Ben10. Um departamento de futebol devidamente profissional começa a dar uma cara ao time. Que o Vasco possa de uma vez por todas entrar no século XXI.
Por Felipe França