“O GÊNIO DA GRANDE ÁREA”
Leandro A. Rodrigues
Conforme antecipei na crônica da semana passada, a partir de hoje farei uma série de textos sobre os meus ídolos no futebol. Para quem não leu o texto passado, vou, apenas, recordar que o meu intuito, nesta sequência, é nunca falar sobre as escolhas e/ou os casos pessoais dos jogadores. Irei me ater, somente, ao atleta dentro de campo. Falarei, exclusivamente, da arte futebolística em si.
Como não poderia deixar de ser, o meu texto inicial será sobre o primeiro jogador que, na vida, eu disse ser, ainda quando criança, ao jogar futebol com meus primos e amigos: Romário de Souza Farias.
A primeira vez que ouvi o nome de Romário, eu tinha por volta de cinco anos de idade. Pouco ou, para ser sincero, nada entendia de futebol. Lembro-me de ouvir o meu querido tio Eraldo, tricolor fanático, comentar com o seu sogro, meu saudoso avô materno, Candinho, vascaíno (já citado aqui na crônica “Por que sou vascaíno?): “Tem um garoto muito bom subindo para o profissional do Vasco. O nome dele é Romário. Faz muitos gols”. Aquele nome não me saiu mais da cabeça. E, naquela noite, ao chegar a minha casa, quando fui jogar botão, na mesa da cozinha, visto que não tinha, ainda, uma mesa, de fato, de futebol de botão, comecei a narrar os nomes dos jogadores do Vasco e inseri, automaticamente, o nome do garoto que meu tio mencionara na conversa com o meu avô. Ora, tudo o que uma criança, que gosta de futebol, pretende ser, em relação ao futebol, é o jogador que “faz muitos gols”. Meu tio, sem ter noção do que estava fazendo, abriu a porta da sala dos ídolos da minha admiração futebolística. Desde então, quando ia falar de futebol, ia jogar futebol ou jogar botão, eu era o Romário. Eu sequer o conhecia, mas sabia que ele fazia “muitos gols”. Isso já me bastava.
Quando estava por volta dos meus oito anos de idade, já conhecia o Romário. Alguns amigos da minha infância (já mencionados na crônica “Não é apenas futebol”) e eu organizamos um campeonato de futebol na casa de um deles. Como sempre, por causa do meu vício por organização (desde novo), fiquei incumbido de preparar a tabela. Cada participante deveria se inscrever com o nome de um jogador profissional. Desse modo, como havia muitos torcedores do time da Gávea, o Adiel correu para ser o Zico. O Beto apelou para a proximidade do nome e passou a ser o Bebeto. O Guto, sempre veloz, disse que era o Renato Gaúcho. O Eric, então, apelou para o passado e disse ser o Nunes. Já o Júlio, o anfitrião, quis ser o Zinho. O Marcelo falou que ia ser o Leandro. Flavinho, o outro vascaíno, quis ser Roberto Dinamite. Assim, pude ser, tranquilamente, o Romário. Para a estreia do nosso torneio, minha irmã pintou, com tinta guache, nas costas de uma camisa antiga, a meu pedido, o número 11 e escreveu, com letra de máquina, o nome do meu ídolo (Hoje, com imenso orgulho e zelo, tenho uma camisa, que nunca usei, autografada pelo Romário).
O tempo foi passando, e o que o meu tio disse ao meu avô, de fato, mostrou-se uma grande realidade. Romário fazia muitos gols. Sempre oportunista, possuidor de um arranque impressionante, o atacante possuía uma colocação impecável e um extraordinário poder de definição, além de ser dono de uma técnica invejável e de uma inteligência absurda quando ficava frente a frente com os goleiros. Eu acompanhava, vidrado, cada passo do meu grande ídolo. Em todos os álbuns, sempre, a minha obsessão inicial era conseguir obter a sua figurinha.
As conquistas e as derrotas de Romário passaram a ser minhas derrotas e minhas conquistas. Em 1988, como ele, também fiquei sem rumo (quando terminou o jogo, o atleta ficou, sozinho, abraçado à trave no Estádio de Seul), após a derrota para a União Soviética, na final das Olimpíadas, por dois a um (o gol do Brasil foi feito por ele). O atacante consolou o companheiro de clube, Geovani, que, em seus ombros, chorou copiosamente. Mal sabia o menino da Vila da Penha que, do outro lado do mundo, em Petrópolis, sem um ombro amigo, um fã seu também permitia que as lágrimas escorressem por aquela perda (Creio que por isso, em 2016, estando no Maracanã, com minha esposa e meus filhos, chorei copiosamente de alegria após a conquista da medalha inédita de ouro contra a Alemanha. Estava acertando as contas com o passado).
De 1988 até 1993, passei a acompanhá-lo no PSV, de olho no Campeonato da terra de Van Gogh. No meio deste caminho, comemoramos a conquista da Copa América de 1989 (com gol dele na final contra o Uruguai) e, juntos, sofremos com a derrota para a Argentina, na Copa da Itália. Entre 1993 e 1994, passei a acompanhar o campeonato da terra de Miró para saber o seu desempenho no Barcelona. Neste último ano, choramos, agora, de alegria, pela conquista do Tetracampeonato nos Estados Unidos. Durante toda a campanha do Brasil na Copa, fez-nos companhia, na sala da casa dos meus pais, um cartaz de Romário que consegui com um jornaleiro que tinha uma banca no Edifício onde eu trabalhava. Em seguida, comemoramos imensamente a eleição de melhor do mundo. Algo que, para mim, ele já era desde 1985.
Nos dois anos seguintes, senti um duro golpe: o meu ídolo maior foi jogar no clube rival. Racionalmente, compreendia, pois tinha consciência de que ele, como profissional, devia dar prosseguimento à sua carreira. Mas, em meu íntimo, senti uma dor profunda. Senti-me traído. Depois de uma rápida ida para o Valência, novamente, sofri com o seu retorno para o Urubu até o fim de 1999. Foram anos difíceis. Vê-lo em campo, tendo que torcer contra ele, não era algo bom. Só nos reencontrávamos na Seleção. Com ela, no meio deste caminho, comemoramos, em 1997, a Copa América e a Copa das Confederações; e, em 1998, choramos, sempre juntos, pelo corte na Copa da França. Todavia, no âmbito clubístico, fizemos as pazes com o seu retorno a São Januário e, de 2000 até 2002, juntos, vencemos o Brasileiro, a Mercosul e fizemos um belo Mundial.
A partir daí, já mais maduro, entendi suas passagens por Fluminense e Al Sadd. Festejei a sua volta ao meu amado Gigante da Colina em 2005. Disse um até breve quando ele jogou no Miami FC e no Adelaide United. E o recebi de braços abertos em sua quarta passagem por São Januário, onde, em 2007, fez o seu milésimo gol.
E, por fim, em 2009, aprovei quando optou por encerrar a carreira no América, para cumprir uma promessa feita ao pai, Sr. Edevair (falecido um ano antes).
Ao longo de todos esses anos, acompanhei cada passo da carreira do Baixinho. Vi muitos outros craques. Tive muitos outros ídolos no esporte bretão. Torci por muitos outros que envergaram a camisa do Vasco. Falarei sobre eles, aqui, nas próximas semanas. No entanto, o meu maior ídolo no futebol, indubitavelmente, foi Romário de Souza Faria, aquele que, um dia, Johan Cruyff apelidou, não por acaso, de “o gênio da grande área”.
Saudações Vascaínas!