Em dezembro de 2008, fizeram-me a seguinte pergunta: Por que você é vascaíno?
Por Leandro A. Rodrigues
Sei que, na época, poderia ter dito que em virtude da luta histórica do Clube contra o racismo, materializada pelo ofício número 261, de 07 de abril de 1924. Ou, então, poderia ter dito que pelo fato de a minha torcida ter construído, com os próprios recursos, o maior estádio da América do Sul (até 1930) e do Brasil (até 1940). Haveria, também, a possiblidade de ter dito que em decorrência da primeira conquista internacional de um clube brasileiro (o sul-americano de 1948). Ou, quem sabe, por fim, simplesmente, bastaria ter dito que por causa do mítico Expresso da Vitória que, em sete anos, conquistou cinco campeonatos estaduais (sendo três de forma invicta), três municipais (um de forma invicta) e o já mencionado sul-americano (diga-se de passagem, também, de forma invicta). Todavia, naquele momento, machucado e dolorido com o primeiro rebaixamento do clube, não quis entrar em discussão tampouco me indispor. Limitei-me a dizer, apenas, que amor não se explica, por isso é mister, apenas, senti-lo.
Desde então, constantemente, passei a me perguntar: Por que sou vascaíno? O que me une a esse Clube? O que me faz nutrir um sentimento tão intenso como se ele fosse uma pessoa da família? Por que fico com as pernas bambas e com o coração acelerado quando ele está em campo?
Devo confessar que para um torcedor vascaíno é tentador apresentar qualquer uma
dessas belas respostas mencionadas acima. No entanto, no meu caso, devo admitir que seriam mentirosas, pois, somente, anos depois, descobri todas essas e outras façanhas da história do Gigante da Colina.
Para chegar à resposta verdadeira, tive de mergulhar em minhas lembranças e, assim, fui buscar a mais longínqua aderência àquele que tem “o nome do heroico português”. Primeiramente, lembrei-me de flashes, cenas curtas, como o título do Carioca sobre o time da Gávea em dezembro de 1982 (quando eu tinha três anos de idade), a derrota para o time das Laranjeiras em 1984, na final do Brasileiro. Certamente, não era isso! Tais lembranças eram apenas flashes e não teriam força para manter um amor tão grande. Depois disso, recorri à minha herança ancestral. Meu avô paterno era português (e torcedor do Vasco). Poderia ter sido isso. Não obstante, ele falecera antes do meu nascimento, portanto não possuía ação direta em minha escolha. Isso poderia, sim, ter contribuído, afinal, meu pai, também vascaíno, passara-me o Amor ao Clube da “imensa torcida bem feliz”. Para ser bastante sincero, todos esses fatos, sem dúvida alguma, contribuíam para uma resposta à pergunta, mas, em meu íntimo, ainda havia uma lacuna. Foi quando, mais uma vez, por meio das lembranças, surgiu a certeza. Surgiu de forma tão clara como os gols feitos por Roberto, Romário e Edmundo. Surgiu de forma simples como os lançamentos de Geovane e a classe de Mazinho. Surgiu magistral como as cobranças de falta de Juninho ou de Ramon. Surgiu de forma segura como as defesas de Barbosa, Acácio e Carlos Germano. Foi, então, que me lembrei de um domingo. Mais precisamente, lembrei-me do dia 09 de agosto de 1987. Era dia dos pais. Estávamos comemorando a data festiva na casa dos meus avós maternos. O rádio da cozinha estava ligado. Meu avô
Candinho estava sentado em uma cadeira ao lado do seu inseparável rádio. Eu, menino que, dentro de um pouco mais de dois meses, completaria oito anos, estava junto dele. Estava na outra cadeira. Ouvíamos atentos à final do Campeonato Carioca. O jogo era contra o Urubu. Estávamos imersos na narração do José Carlos Araújo. Consigo, ainda hoje, ouvir o que disse, aos 42 minutos do primeiro tempo, o verdadeiro Garotinho: “Matou no peito Roberto. Atrasou. Emendou. Entrou! Tita! Golão, golão, golão!”. Meu avô levantou-se. Pegou-me em seus braços. Como nos divertimos com aquele momento! Rimos. Rimos muito! Gritamos. Gritamos muito! Meu avô, abraçando-me, dizia: “Demos o troco! Demos o troco!”. Na ocasião, não tinha ideia do que ele estava falando. Depois, descobri que ele fazia referência à final de 10 de agosto do ano anterior, quando havíamos soçobrado por dois a zero diante do mesmo adversário que, agora, recebia, nas palavras de meu avô, o mesmo pagamento.
Sei que, em nossa vida, é difícil determinarmos o dia exato de nossas paixões. Sei que a vida é uma consequência de fatos e um acúmulo de dias. Sei, porém, também, que, ainda hoje, ao fechar os olhos, sinto o aroma agradável de café que, adicionado ao cheiro forte de cigarro, como um amálgama, estavam grudados ao desabafo do meu querido avô naquele dia triunfal. Poucas vezes, na vida, tive tamanha certeza de uma satisfação tão grande. Naquele dia, nos braços do meu avô, ocorria a sedimentação de algo que, desde o meu nascimento, em meu espírito, havia sido plantado por meu pai.
Depois disso, vivi muitos outros inesquecíveis momentos com o meu amado VASCO da GAMA. Idas aos estádios, títulos, fracassos, vitórias, derrotas, triunfos, tropeços, quedas, acessos; mas, sem sombra de dúvidas, hoje, posso afirmar que sou vascaíno, principalmente, por causa do dia dos pais de 1987.