Por: Daniel Morais e Lucas Bispo
Relatos de um grande cronista brasileiro
Em 2008, ele dava seus primeiros passos como cronista esportivo em blogues e sites. Como convidado, produziu textos para Jornal dos Sports, Jornal do Brahmeiro, Trivela e Goal. Manteve também colunas em ‘Os Geraldinos’ da Revista Placar (2011), SãoJanuário.Net e SuperVasco, além de matérias e pesquisas publicadas no Jornal Marca e no site NetVasco.
Desde 2014, trabalha no Grupo LANCE!, convidado para fazer parte da equipe de Mídias Sociais durante a Copa do Mundo.
Apaixonado pelo futebol desde garoto e com sangue vascaíno, André Schmidt, mais conhecido por Garone é o nosso entrevistado de hoje.
Como era o Garone da infância/adolescência?
Eu sempre fui um cara extrovertido, de muitos amigos e que gostava muito de esportes. Um adolescente normal, eu acho. Joguei futsal dos 8 aos 14 anos, quando passei a treinar futebol de campo no Serrano, aqui de Petrópolis. Mas nada sério. Nadei e joguei handebol também, mas nunca fui bom de verdade em nada, não o suficiente pra ser profissional (rsrs). E nem tinha a pretensão de ser.
Com 15 anos, por ser muito comunicativo, passei a trabalhar com festas, fazendo divulgação e organização de eventos, e essa acabou sendo a minha primeira experiência em comunicação. Foi também o início do fim prematuro da minha carreira de atleta rsrs. Nessa época, eu ainda não pensava muito no futuro, em jornalismo. Não acho que seja a hora, aliás. As experiências nesse período acabaram me moldando para o que viria a escolher mais pra frente, não o inverso.
Quando surgiu o interesse pelo futebol?
A sensação que tenho é que gosto desde sempre. Todas as minhas memórias da infância são relacionadas ao futebol. E até as referências. Por exemplo: o João, amigo do meu pai, é aquele que eu estava na casa dele quando o Júnior fez o gol do título brasileiro do Flamengo de 92, sobre o Botafogo. Ele é muito amigo também do Pedro Paulo, que eu ficava atrás do sofá da sala dele durante a Copa do Mundo de 90, sem entender bem o que acontecia – nasci em 85. A antiga casa do meu primo é onde assistimos o Romário fazer dois gols contra o Uruguai, em 93, e onde vi o Juninho estrear oficialmente pelo Vasco, em 95, contra o Santos. Minhas lembranças mais antigas são todas ligadas a algum fato do futebol. De alguma forma, minha cabeça sempre trabalhou desta maneira, o futebol sempre foi algo presente no meu cotidiano.
Porque jornalismo e não outra profissão?
Como eu disse, o futebol fazia parte do meu cotidiano desde muito cedo. Além do gosto normal de todo garoto pela bola, eu tinha também pela informação. Muito disso por causa do meu avô. Eu ouvia os jogos com ele no rádio, era o nosso elo. Sempre tínhamos algum assunto porque sempre tinha algo novo acontecendo no futebol. Pra manter a conversa, eu precisava me informar.
Ele sempre me recebia de manhã, quando eu descia para ir para a escola – eu morava numa casa em cima da dele – com o Jornal dos Sports ou a página de esportes do Globo. Ele escutava eu fechando a porta, e já abria a dele com o jornal na mão. Era um ritual. Isso me aproximou muito do jornalismo de uma forma natural. Eu não lia porque queria ser jornalista, lia porque gostava.
Quando eu tinha mais ou menos 11 anos, ele me deu duas pastas cheias de recortes de jornais dos anos 40 e 50, que ele havia guardado desde garoto. Eram matérias falando sobre jogos e craques antigos. Seu pequeno tesouro. Logo depois disso, passei a recortar também os jornais e fazer as minhas próprias pastas. Além disso, gravava todas as matérias que passavam na televisão, os gols da rodada, era meu hobby depois que eu chegava da escola. Eu queria ter guardado tudo aquilo que minha memória um dia poderia me tirar. Não tinha internet como hoje, onde você joga no Google e todas as informações aparecem – inclusive as erradas -, então eu anotava, recortava e gravava. Em 97, de 11 para 12 anos, eu já havia acompanhado o ano inteiro do Vasco e anotado o número de jogos e gols de cada jogador. Guardei todas as fichas, as notícias, bati tudo no Word, imprimi e encadernei, como se fosse um livro. Até hoje eu tenho ele, com algumas anotações a mão também.
A curiosidade é que, nessa época, eu queria ser arquiteto. Minha ideia de informação era ter ela pra mim, não compartilhar com os outros, como um jornalista.
Fiz isso entre 1997 e 2003, diariamente.
Em 2004, quando fui fazer vestibular, descobri que não tinha o curso de Arquitetura em Petrópolis e meu pai não poderia arcar com os custos da minha ida para o Rio. Eu já havia passado um ano e meio estudando para a prova de oficial dos Bombeiros, que era um desejo mais do meu pai do que meu, pois eu receberia para estudar, não o inverso. Sem sucesso, decidi estudar na minha cidade mesmo e, sem ter Arquitetura, optei pelo Jornalismo já pensando no futebol e em tudo que eu havia acumulado nos anos anteriores.
Você revelou em seu twitter que levou muito tempo para concluir o ensino superior. Conte-nos sobre essa experiência e diga algo para os jovens estudantes da área.
Eu tenho muito amigo que terminou a faculdade em quatro anos e nunca sentou numa redação de jornal, nem pequeno. Alguns sequer exerceram a profissão e hoje fazem outra coisa da vida. Na contramão disso, conheço alguns que são ótimos, inteligentes, mas não terminaram e têm vergonha ou preguiça de voltar depois ‘velho’, o que acho um erro.
Eu demorei 14 anos pra me formar, desde o dia em que entrei até a apresentação do meu TCC. O que não quer dizer, claro, que eu cursei 14 anos. Entrei na faculdade aos 19 anos, fui pai aos 21 e desde então minha prioridade passou a ser outra. E nem vejo como poderia ter sido diferente. Eu trabalhava e pagava as contas da minha filha, quando sobrava, eu juntava pra fazer pelo menos uma matéria no período seguinte. Aí fui assim, fazendo 2 ou 3 matérias por ano, às vezes nenhuma, em alguns períodos puxava 5 mas não conseguia pagar, aí não voltava no outro semestre, quando retornava a grade tinha mudado e o número de matérias restantes aumentavam… Perrengues naturais de um universitário, com o agravante de ser pai jovem.
Acho que o meu mérito nessa história, além de não desistir, é ter encontrado uma forma de mostrar meu trabalho independente de estar ou não na faculdade. Montei meu primeiro blog em 2008, com o nome de Boteco do Portuga. Era um trabalho da faculdade que eu tinha que escrever uma matéria por semana. Eu fazia dez, quinze… Montei um blog sobre o Vasco, relembrando jogos e jogadores antigos, exatamente tudo que eu havia armazenado durante toda a minha infância. Eu tinha um conteúdo único, pra época, e um volume muito grande. Enquanto faltava dinheiro pra estudar, não faltava conteúdo pra escrever, e assim eu fui aprendendo por conta própria, com erros e acertos. Eu era o meu editor, meu social midia, marketing, gerente comercial, ombudsman e até estagiário. Isso me ajudava inclusive até a entender muitas coisas que ensinavam na faculdade, porque às vezes eu estava vivendo aquilo de perto, sobre as mudanças nas redes sociais, por exemplo, a busca pelo clique, a importância de se ter credibilidade…
Quando se entra direto em uma grande empresa, você entra sob a constante pressão de não poder errar, e isso te freia. Na dúvida, você faz o óbvio, o simples, para não correr riscos. Agora, no seu próprio espaço, no seu blog, você é livre para opinar e produzir como bem entender. Você vai errar na mão muitas vezes, eu erro até hoje, mas isso te ensina bem mais que um release bem feito sobre o cachorrinho que invadiu o treino na segunda-feira de manhã.
Se eu pudesse dar um dica para quem está estudando jornalismo seria essa: criem seus espaços, suas identidades, produzam para vocês, o que vocês tem interesse de saber, e não para o mercado. O seu diferencial está na sua curiosidade, no seu olhar, não no dos outros.
Quais são suas principais referências no Jornalismo?
Quando eu entrei na faculdade, meu sonho era ser repórter de campo. Tudo o que eu queria era passar meus dias de trabalho dentro de um campo de futebol, fosse no treino ou no jogo. Como eu havia passado a minha infância assistindo aos jogos na Bandeirantes, o Victorino Chermont, que infelizmente faleceu no acidente do avião da Chapecoense, era uma das minhas referências. Na imprensa escrita, eu lia bastante Armando Nogueira, Mauro Beting e o PVC, que escreviam para o LANCE! na época.
Quando passei a escrever crônicas de forma mais rotineira, em 2015, apesar de ter publicado a primeira em 2008, passei a ler muito Nelson Rodrigues. O livro “O berro impresso nas manchetes” deveria ficar na cabeceira de quem pretende seguir esta linha mais romanceada do futebol.
O Garone é Vasco ou se tornou Vasco ao passar do tempo?
Nasci Vasco. Com o passar do tempo, só aumentou minha vontade de ter nascido antes para ser Vasco a mais tempo.
Que abordagem você usa para se diferenciar num meio vasto como o do Jornalismo Esportivo?
Eu acho que o jornalismo esportivo caminha para um lado muito técnico e científico hoje em dia. O que é válido. Só não acho que seja a única maneira de se olhar o futebol, nem muito menos que deva ser aceita como a certa. Não existe dominância de gênero na escrita. Ou não deveria.
A crônica esportiva foi forte na expansão do futebol no início do século passado muito em razão da paixão que ela continha. E é essa linha mais romanceada, lírica, que eu tento seguir. Claro, são outros tempos. Antes, com menos informações, sem televisão ou raras transmissões, era mais fácil de se criar em cima do jogo. Hoje, a imagem te desmente, o leitor mais frio te questiona, o sem educação te xinga… Eu tento fazer um texto agradável de ser ler, trazendo uma narrativa mais saborosa para o leitor. Afinal, ele já viu o que tinha que ver, na tv ou na internet, o que eu tenho que dar a ele é algo novo, diferente. Ele já sabe o placar, já xingou e elogiou quem quis durantes os 90 minutos, cabe a mim falar do que ele não viu ou do que sentiu. É o que tento fazer.
Como você o cenário do futebol brasileiro hoje em dia?
Acho que exitem duas análises a serem feitas sobre futebol brasileiro: o que é jogado aqui e o que importamos. Digo isso porque nos anos 2000 aconteceram muitas mudanças no mercado que fizeram o Brasil deixar de ter em seus gramados os seus melhores jogadores, se tornando basicamente exportador. Muitas vezes vejo críticas ao futebol brasileiro, como um todo, como se o país não revelasse mais grandes jogadores. Isso é um absurdo. A última vez que um time europeu ganhou a Champions sem pelo menos um brasileiro no elenco, por exemplo, foi o Manchester United, em 1999. Nenhum outro país tem essa marca, nem os da Europa.
O grande problema, ao meu ver, é que hoje não conseguimos manter nem os jogadores de nível mediano atuando no Brasil. Nos anos 80 e 90, quando os brasileiros começaram a ir para o exterior, eles iam basicamente para clubes de Itália e da Espanha, pouquíssimos para a Alemanha e praticamente ninguém na Inglaterra. Só ia, quem era muito acima da média, os craques, jogadores da Seleção Brasileira. Hoje surgem brasileiros lá fora que sequer jogaram Série A aqui. Saem jovens, direto do interior, e vão para mercados intermediários, como Portugal, França, Turquia, Ucrânia… Ou então fazem carreira no Japão, na China, nos Emirados Árabes… O Brasil não consegue produzir uma quantidade que supra tanto êxodo. Ainda assim, todo ano consegue revelar dezenas de atletas que vão para grandes clubes da Europa. Isso, obviamente, faz com que o nível do futebol aqui caia. Os clubes estão sempre tendo repor uma saída importante. Aí é uma questão, infelizmente, financeira do nosso futebol e do nosso país. E até de cultura dos nossos jogadores, criados já com o pensamento de quando irão sair e não até quando irão ficar.
Como você vê a escola atual de técnicos brasileiros, e o que acha da entrada de técnicos estrangeiros no Brasil?
Eu disse em uma resposta anterior que não concordava com a linha científica que o jornalismo vem ganhando. Penso isso exatamente por achar que isso é função dos outros profissionais da bola, mais especificamente do treinador. Aí sim, nesse caso, acho que caminhamos para frente. Há uma linha muito interessante de treinadores surgindo, profissionais que começaram lá na base dos clubes e que chegaram nos profissionais como uma metodologia de trabalho mais atual, voltada para análise de desempenho, condicionamento físico, um estudo do jogo, não apenas um conhecimento de vivência. Algo mais didático e palpável. Mas eu acho que essa geração vem para resultados futuros, não imediatos. Uma coisa é você ensinar a movimentação que deve ser feita para um garoto de 16 anos que sonha em ser profissional, a outra é pedir dedicação tática a um jogador de 32 anos, que recebe R$ 400 mil por mês, e que sempre jogou da mesma maneira. Aliás, é essa falta de compreensão tática, ou de preguiça tática, que fez com que muitos jogadores bons tecnicamente não vingassem na Europa, por exemplo. E como um treinador novo tira do time o craque que se recusa a fazer a função pedida ou que simplesmente não é capaz de exercer? Como reeducar jogadores de 30 anos em três ou quatro meses? Acredito que essa geração de treinadores vai render frutos mais pra frente, quando tivermos também uma geração de jogadores habituados como essa forma de atuar.