Diretor financeiro do Vasco falou como esse namoro que agora está prestes a virar casamento, começou
Luiz Nascimento
Após um conturbado processo político, com direito até mesmo à CPI na Assembleia Legislativa, os executivos da 777 Partners, que estão no Rio desde o começo da semana, devem assinar amanhã oficialmente o contrato que vende 70% da Vasco da Gama Sociedade Anônima do Futebol para o grupo americano. Foram pouco mais de seis meses de negociação, entre a assinatura do memorando, em 21 de fevereiro, até a consumação da venda. Porém, tudo começou em dezembro, em meio a um processo de reorganização profunda do clube, que começou com o diretor financeiro Anderson Santos. Em conversa com o setorista do Vasco no jornal O Dia Joel Silva, o executivo conta que tudo começou com uma indicação para um dos mais tradicionais clubes do interior paulista, sendo campeão estadual em 1986: a Inter de Limeira.
“O pessoal da Matix, que intermediou o negócio, me chamou para almoçar porque tinha me indicado para trabalhar na Inter de Limeira (clube do interior de São Paulo que vai jogar a Série D do Brasileiro em 2023). Estávamos conversando muito sobre isso e um dos sócios da empresa, que é vascaíno, queria muito apresentar a 777 Partners para o Vasco. Ele me contou sobre a companhia e eu consegui marcar uma reunião com o VP de finanças, Adriano Mendes. Almoçamos duas vezes e de lá pra cá as negociações foram avançando até chegar ao dia de hoje. Eu fui o cupido, que apresentou os dois no início do namoro. Agora com o casamento, fico muito feliz. Conseguimos fechar todo o ciclo que representa uma virada de página na história do clube”.
O contrato assinado prevê um investimento de R$ 700 milhões até 2026, porém, 10% deste valor (R$ 70 milhões) já foram descontados deste montante, na forma de um empréstimo-ponte. Além disso, mais R$ 120 milhões serão injetados no clube após a assinatura do contrato. Como a janela de transferências de inverno fechou há 15 dias, em um primeiro momento, metade desta verba será destinada à melhoria da infraestrutura. Além deste investimento, a Vasco SAF herdou mais R$ 700 milhões de dívidas relacionadas à associação civil Club de Regatas Vasco da Gama. Para o diretor financeiro, este é o melhor modelo de SAF no Brasil, que dará ao Cruzmaltino condições de igualdade para competir com os dois clubes mais fortes do futebol brasileiro: Flamengo e Palmeiras. Inclusive, Anderson deu uma cutucada em ambos os clubes.
“A partir do ano que vem, com um eventual acesso, o Vasco já estará com uma outra perspectiva. A 777 está muito animada, eles estão dispostos a investir, a estruturar o clube. Com todo respeito ao Ronaldo (dono do Cruzeiro) e ao Textor (dono do Botafogo), mas o modelo do Vasco é diferente. Atrás da 777 tem um fundo estruturado, com uma gestão de governança bem definida. Os caras não entram no negócio para perder. Lidam com muita grana de investidores e sabem que o Vasco é uma potência, não só no futebol brasileiro. Eu vejo o Vasco brigando lá em cima e voltando ao tempo de glória do fim dos anos 90 O torcedor pode criar uma expectativa boa. Eles são muito profissionais, estão planejando fazer uma estrutura bem interessante, investimento no time de futebol, CT e base. O Flamengo e o Palmeiras que se cuidem, o Vasco está chegando”.
Apesar de ter sido parte importante na negociação entre clube e fundo de investimentos, Anderson Santos não participou ativamente das tratativas, apenas elaborou relatórios que pudessem ser usados como argumentos para a confecção de um acordo entre ambas as partes. No entanto, o profissional revelou que continuará na SAF, mas sem ser o diretor financeiro, cargo que passará a ser ocupado pelo ex-CFO da Apple no Brasil Lúcio Barbosa.
“Já imaginava isso, vim do mercado e essas práticas são comuns. A 777 buscou um homem de confiança, que é o Lúcio Barbosa, para fazer a gestão financeira. É um profissional gente boa para caramba e estou com ele desde a semana passada. Vem de grandes empresas como a Apple e a General Electric, ou seja, tem um currículo bastante interessante. Eu fui convidado para trabalhar na parte da controladoria e fiquei feliz com esse reconhecimento. A diretoria entende que sem o meu trabalho e as coisas que a gente construiu, nada disso seria possível. Além da questão financeira, o reconhecimento é importante. Estou apostando nisso também, até porque fazemos um trabalho esperando colher lá na frente os frutos”.
Anderson disse que a SAF era de fato a única salvação para o Vasco. Ele ainda revelou a Joel Silva que chegou a ficar cinco meses com salário atrasado no modelo associativo.
“Não tinha outra solução para o Vasco. Estou desde 2018 no clube e já fiquei quatro, cinco meses com o salário atrasado. Eu não sei se o Vasco passaria do primeiro trimestre se não fosse o empréstimo-ponte de R$ 70 milhões. Não tinha outra solução a não ser a SAF. Muito se falou sobre a entrada de um investidor na época da campanha, mas me pareceu uma utopia. Conhecendo a realidade econômica do Brasil e do mundo, a única maneira era a transformação para clube-empresa e a venda para um investidor”.
E o executivo ainda falou que apesar das resistências, Flamengo e Palmeiras deverão virar SAF em algum momento no futuro. Vale lembrar que existe uma rejeição entre conselheiros do Rubro-Negro virar um clube-empresa, apesar do desejo do presidente Rodolfo Landim.
“No futebol brasileiro não tem alternativa. Cedo ou tarde, os clubes, mesmo aqueles que possuem uma estrutura como Flamengo e Palmeiras, uma hora eles irão se render à SAF, porque vão ficar para trás. Não é só uma questão financeira, mas sim de governança, que é muito prejudicada em um clube associativo por causa da política. Ela interfere muito. Até mesmo para o investimento de capital, patrocínios. Os investidores tendem a preferir um clube-empresa que seja estruturado, do que se arriscar em um clube associativo. O Vasco está em um momento muito bom. Sem dúvida é a maior transação do futebol brasileiro, a maneira como o contrato foi feito, a preocupação sobre garantias, os valores para o clube, a marca, a história, além do aspecto financeiro”.
Por fim, Santos fez uma previsão animadora para o CRVG, que passará a cuidar, de entre outras coisas, dos esportes olímpicos.
“Eu prevejo que o Club de Regatas Vasco da Gama se tornará uma potência olímpica, mas não a curto prazo. A partir de setembro, já tem uma previsão para regularizar as pendências para a gente tirar a CND (Certidão Negativa de Débitos) em outubro. Já temos as Certidões Negativas do FGTS e TRT, só faltando a dos Tributos Federais com a PGFN. Com as certidões emitidas, o Vasco voltará a ter recursos da Lei de Incentivo ao Esporte e pode voltar a ser a potência olímpica que era na virada do milênio. Só com recursos de incentivo, serão R$ 8,5 milhões, além da receita dos sócios estatutários, que gira em torno de R$ 5 milhões/ano. Tem os royalties de licenciamentos do clube associativo. Com tudo isso, acredito que a associação terá uma maior capacidade de investir em esportes olímpicos (como basquete e vôlei), que era muito limitada por causa dos gastos prioritários com futebol, além da dívida do clube.”
Todos os funcionários administrativos da associação civil serão transferidos para a SAF, que por sua vez irá prestar serviços para o clube associativo até o final do ano. A partir de 2023, a associação Club de Regatas Vasco da Gama terá que montar do zero a sua própria estrutura administrativa.