Sem muito aparecer diante das camêras, o presidente do Vasco, Jorge Salgado, fez uma entrevista exclusiva no programa “Abre Aspas”. Em um raro momento, Salgado abordou detalhadamente o acordo que marcou sua gestão à frente do clube, a venda do controle do futebol para a 777 Partners.
Com seu mandato prestes a se encerrar em dezembro, o presidente anunciou que não buscará reeleição e surpreendeu ao declarar que não dará seu apoio a nenhum candidato na eleição marcada para novembro.
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Aos 76 anos, o empresário Jorge Salgado apresenta uma mudança de postura notável em relação à venda do controle do futebol do Vasco. Inicialmente, durante sua campanha presidencial, ele rejeitava essa ideia, apostando em planos de captação de investimento que, infelizmente, não se concretizaram. No entanto, agora, à medida que seu mandato se aproxima do fim, Salgado defende a decisão de venda, afirmando estar satisfeito com o estado em que entregará o Cruzmaltino ao seu sucessor.
Ele também se posiciona a favor das críticas que surgiram em torno dessa transação, que transformou um dos clubes mais tradicionais do futebol brasileiro em uma sociedade anônima de futebol.
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Na primeira parte da entrevista, gravada na última terça-feira, Jorge Salgado aborda de maneira detalhada a decisão estratégica de venda e a governança que envolve a transformação do Vasco em SAF (Sociedade Anônima de Futebol).
O senhor assume em janeiro de 2021, e a SAF sai em agosto para setembro de 2022. Na campanha, já tinha conhecimento dos números e do endividamento do clube. Por que a decisão pela SAF?
“Na campanha, tinha assessoria financeira do Adriano (Mendes), que já tinha participado de pedaço da gestão do Campello. A gente tinha o seguinte quadro: a dívida era de aproximadamente R$ 650 milhões, com faturamento de R$ 240 milhões. Acaba a campanha, sou eleito e aí vou me defrontar com outros números. Recebo balanço de dezembro (2020), a dívida pulou para R$ 830 milhões. No último mês do mandato anterior (de Alexandre Campello) entrou dívida trabalhista de R$ 100 e tantos milhões, que elevou para R$ 830 milhões. Tinha também passivo que não estava contabilizado por serem ações trabalhistas e cíveis que ainda não estavam em processo de execução, de mais ou menos R$ 200 milhões. Era essa a situação real, nua e crua”
“A gente assume, infelizmente vamos para a Segunda Divisão e quando se projeta o ano a gente se defronta com despesa de R$ 240 milhões no início e com faturamento que só vai chegar a R$ 130, R$ 140, R$ 150 milhões… Fora isso, a gente estava sempre fugindo de execuções. Todos credores do Vasco estavam sempre executando o Vasco. Então o pouco dinheiro que a gente recebia era destinado a pagar algum tipo de execução”
“Sobrou para mim esse caos. A gente estava saindo da pandemia, no final da pandemia. Tinha de sair desse time de Série A, indenizar esses jogadores, fazer acordo e contratar time novo. Fui para mercado contratar diretor de futebol. Não foi uma coisa fácil, simples. Recebi algumas negativas”
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Na campanha, o senhor falava de captação de investimentos, que não foi feita…
“Sim, o plano era de lançar debêntures no mercado e captar mais ou menos R$ 70, R$ 80 milhões. Não era tudo, mas ajudava muito. Pagava muita dívida atrasada e dava um fôlego. De maneira diferente captamos isso no primeiro ano com a venda do Talles Magno e do Arthur Salles, que deu mais ou menos R$ 70 e poucos milhões. Isso deu uma ajeitada. Mas esse primeiro ano foi difícil por causa da narrativa política. No intervalo da primeira para a segunda eleição – que foi uma semana -, cansei de chamar esse candidato para a eleição. Não sei porque que ele não veio.”
“Mas nesse início a questão política me prejudicou muito fora de campo. O candidato que perdeu a eleição (Leven Siano) se achava ganhador e aí ele ficou nas mídias durante muito tempo vendendo narrativa de que a eleição foi um golpe, que eu não seria o presidente, que ele assumiria em algum momento, que ele estava na Justiça e ia ganhar. Fiz mais ou menos sete ou oito reuniões com investidores locais, mostrava a projeção do Vasco, projeção de receitas dos próximos anos, considerando a volta para a Primeira Divisão. Aí a conversa empacava nessa insegurança jurídica.”
De certa maneira, o senhor desiste do mandato ao vender o futebol para a SAF? Foi isso que pensou ao assumir e perceber que não encontrou saída diante de tantas dívidas?
“Mais ou menos, não é exatamente isso que eu pensei, não. Mas diante do quadro eu sabia que a gente precisava de injeção de capital para virar esse jogo. É como se você estivesse na UTI, assim cheio de… praticamente vegetando, e se você não receber medicação muito forte você não reage e vai morrer. Era o que estava acontecendo com a gente. A gente não tinha atração financeira nenhuma. Eu não pagava os funcionários em dia, não pagava os fornecedores em dia, não pagava os bancos em dia, a taxa Selic começou a disparar. A gente sai de uma inflação de 3% para 13%. Vasco não tinha crédito em banco. Como a gente ia administrar esse caos se não recebesse injeção de dinheiro? Aí vem a SAF, a gente estuda a SAF, a lei é exatamente para criar solução para clubes muito endividados.”
“Se você perguntar para mim: você faria diferente se tivesse uma outra condição? Faria diferente. Agora, hoje estou absolutamente certo de que se eu tivesse oportunidade de ter clube com mais pujança financeira não ia fazer SAF do jeito que fiz – de atrair investidor, vender 70% das ações. Mas eu faria SAF em que o Vasco seria dono de 100% das ações.”
Por que ainda assim faria a SAF?
“Para separar o futebol da política do clube. Futebol do Vasco hoje é uma empresa, tudo tem que funcionar ao pé da letra. A gente recebeu investimento absurdo do investidor americano (777). Ele não fez isso por caridade para ajudar o Vasco. Ele fez isso numa perspectiva de longo prazo de ter retorno sobre seu investimento. E é assim no futebol no mundo inteiro. Nem por isso o torcedor se afastou, o torcedor deixou de torcer pelo Manchester United, pelo Manchester City ou pelo Liverpool. E a mesma coisa acontece aqui no Vasco. A gente fez a SAF e o torcedor abraça. O torcedor entendeu que a solução era essa mesmo, não tinha outra solução. O sócio entendeu. Quando foi para a assembleia geral votar a gente teve 80% de adesão. Ficou minoria, porque a minoria sempre faz o ruído.”
Na sua visão, como o Vasco estaria se não tivesse feito o acordo pela SAF?
“Estaria numa situação muito difícil. A gente não teria esse time que a gente tem hoje. A gente não teria capacidade financeira, a gente não conseguiria colocar muitas das nossas dívidas em dia. Quando cheguei, eram cinco meses de salário atrasado, não recolhia imposto, não recolhia fundo de garantia. Os funcionários tristes, eu ficava com vergonha de entrar aqui em São Januário. Você pode imaginar isso? O cara que ganha R$ 3 mil, R$ 2,5 mil, com família? Era uma situação constrangedora. Hoje eu entro aqui e o funcionário só falta me abraçar. A gente está pagando em dia, a gente está recolhendo impostos em dia, pagamos 13º salário em dia. Outra situação.”
“Às vezes me falam, “pô, mas você vendeu o clube…” Eu não vendi o clube. A gente manteve o patrimônio, o estádio de São Januário é nosso, a sede do Calabouço é nossa, a sede da Lagoa é nossa. Os três ativos permanentes a gente não vendeu. O que a gente vendeu foi 70% do ativo futebol. E mesmo assim ficamos com 30%. Os outros clubes que fizeram SAF ficaram com 10%. Nós ficamos com 30%. Os outros clubes captaram R$ 400 milhões, nós captamos R$ 700 milhões.”
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