CAMISAS NEGRAS
Leandro A. Rodrigues
Na última quinta-feira, dia 12 de agosto de 2021, o Club de Regatas Vasco da Gama comemorou 98 anos do seu primeiro título na elite do futebol.
No ano de 1923, os Camisas Negras derrotaram o São Cristóvão, no Estádio General Severiano, por três a dois, de virada, após descerem para o intervalo, perdendo por dois a zero. Os gols cruz-maltinos foram marcados todos na etapa final: Ceci, aos cinco; e Negrito (que era branco), aos quatorze e aos trinta e dois minutos. Para quem não sabe, foi a primeira e, até hoje, única vez, na história do Campeonato do Rio de Janeiro, que uma equipe oriunda da Série B conquistou o Estadual.
O time vascaíno, do técnico uruguaio, Ramón Platero, fez uma campanha* quase perfeita em seu primeiro ano na elite do futebol. Em quatorze jogos, alcançou onze vitórias, obteve dois empates e sofreu, apenas, uma derrota. É importante enfatizar que as onze vitórias foram conquistadas no segundo tempo das partidas, sendo quatro delas de virada. Daí, para quem não sabe, o apelido de “O Time da Virada”. Tivemos, ainda, os artilheiros da competição: Ceci e Arlindo, que terminaram empatados com oito gols cada.
O título histórico foi, como diz Sergio Almeida, no livro Hoje é Dia de Vasco, o “Dia que mudou o mundo”, já que, pela primeira vez, um time de negros, de operários, de pobres e de imigrantes conseguiu ocupar o lugar mais alto de um certame. Foi uma verdadeira luta pela igualdade e contra o preconceito.
O cronista Mário Filho, no livro O Negro no Futebol Brasileiro, descreveu assim a importância do título do escrete vascaíno:
Os clubes finos, de sociedade, como se dizia, estavam diante de um fato consumado. Não se ganhava campeonatos com um time só de brancos. Um time de brancos, mulatos e pretos era o campeão. Contra esse time, os times de brancos não puderam fazer nada. Desaparecera a vantagem de ser de boa família, de ser estudante, de ser branco. O rapaz de boa família, o estudante, o branco, tinha de competir, em igualdade de condições, com o pé rapado, quase analfabeto, o mulato e o preto para ver quem
jogava melhor. Era uma verdadeira revolução que se operava no futebol brasileiro.
João Almirante, no livro 1898 em Diante, no capítulo segundo, intitulado Camisas Negras tomam o futebol para o povo, fala algo muito importante: “O Vasco abria uma porta que não teria mais como ser fechada”. É algo que merece destaque e reflexão. Sabemos que, se não fosse o Vasco, certamente, em algum outro momento, haveria de ser outro time a fazer o que foi feito. No entanto, foi o Vasco. Foram os Camisas Negras. Foram eles que abriram a porta para, como o mesmo João Almirante diz: “Pela primeira vez, homens negros e brancos pobres fossem coroados os melhores no distinto esporte inglês”. A partir daquele momento, tantos craques puderam desfilar e passear pelos campos brasileiros com autoridade, pois o Club de Regatas Vasco da Gama abriu um precedente honroso e honrado.
Acho que todo amante do futebol, independente do clube do coração, precisa conhecer a história mencionada acima e render reverência a Nélson (primeiro goleiro negro da seleção brasileira), Leitão, Mingote, Nicolino, Bolão, Arthur, Paschoal, Torterolli, Arlindo, Cecy e Negrito (que tinha este apelido por causa da cor dos cabelos).
Para os estudiosos do futebol, os homens escalados anteriormente, são chamados de pioneiros em virtude da coragem e da luta contra a segregação. Para nós, torcedores do Vasco da Gama, poderiam ser denominados, simplesmente, como os precursores de uma galeria inesquecível de vitórias e de indizíveis títulos. No entanto, em virtude da intimidade que nos cerca, preferimos denominá-los pela alcunha recebida por eles à época: eles são os nossos eternos Camisas Negras.
Muito obrigado, rapazes!
Saudações Vascaínas!
* Campanha do Vasco da Gama – Campeão Estadual de 1923:
· 15 de abril: Vasco 1 x 1 Andaraí (o Vasco ganhou os pontos em virtude de o adversário ter escalado um jogador irregular);
· 22 de abril: Botafogo 1 x 3 Vasco;
· 29 de abril: Vasco 3 x 1 Flamengo (de virada);
· 13 de maio: América 0 x 1 Vasco;
· 20 de maio: Vasco 1 x 0 Fluminense;
· 03 de junho: Vasco 3 x 2 Bangu;
· 10 de junho: São Cristóvão 2 x 3 Vasco (de virada);
· 24 de junho: Andaraí 1 x 3 Vasco (de virada);
· 01 de julho: Vasco 3 x 2 Botafogo;
· 08 de julho: Flamengo 3 x 2 Vasco (única derrota);
· 22 de julho: Vasco 2 x 1 América;
· 29 de julho: Fluminense 1 x 2 Vasco;
· 12 de agosto: Vasco 3 x 2 São Cristóvão (de virada);
· 19 de agosto: Bangu 2 x 2 Vasco