O Vasco da Gama divulgou o seu balanço financeiro na semana passada e trouxe diversos debates entre os torcedores. Apesar de conseguir gerar a maior receita da história do clube, o passivo aumentou. A SAF, como parte do acordo com o clube associativo, deve mais do que possui em ativos.
A grande dificuldade é diminuir o custo desta dívida. Isso significa renegociar para obter descontos, redução de juros e alongamento do prazo. Da dívida de cerca de R$ 700 milhões que a SAF assumiu, R$ 210 milhões foram pagos até o momento – R$ 90 milhões em 2022 e R$ 120 milhões no ano passado. Mas, considerando atualizações e correções, a redução líquida é de R$ 60 milhões.
Segundo o ge, o Vasco tem duas grandes dívidas: a tributária (consolidação de toda a dívida do clube com o Governo Federal feita em 2021), no valor de R$ 240 milhões; e o RCE (Regime Centralizado de Execuções) – que consolida as dívidas cíveis e trabalhistas da associação em troca da destinação de 20% da Receita Corrente Líquida para o seu pagamento), que totalizava R$ 223 milhões. São elas que, junto a seus juros, fazem com que o Vasco se enrole.
O Conselho Fiscal do Vasco tomou a frente e questionou os números apresentados pela SAF, indicando possível incerteza sobre a continuidade saudável da empresa no comando:
“Uma vez mais louvamos os esforços de pagamentos de dívidas em seus diversos tipos – RCE, fiscal, previdenciária, bancária, junto a entidades desportivas, contingências e acordos extrajudiciais – alcançando um valor de mais de R$ 140 milhões de pagamentos (principal + juros) somente no ano de 2023. Ainda assim o saldo final de dívida da SAF em 2023 segue significativo, o serviço da dívida ainda é alto e, portanto, é necessário um plano estruturado de pagamentos/renegociação para garantir o equilíbrio financeiro do Vasco SAF.
Entendemos que é prioritário estabilizar os resultados esportivos, que em 2023 a ação – executado com sucesso – de maior retorno geral, inclusive financeiro, para a SAF era a manutenção na primeira divisão do Campeonato Brasileiro, mas é mister reduzir a alavancagem da empresa”.
O ge questionou o Vasco sobre a estratégia para diminuir os custos da dívida, mas a SAF não se posicionou até a publicação da reportagem. Pessoas da empresa ouvidas pelo ge disseram que já existe uma estratégia de renegociação e acreditam que houve avanço significativo no primeiro balanço referente a um ano completo, que apontou o aumento na capacidade de o Vasco pagar o que deve, avançando na busca pela estabilidade financeira.
A cobrança do Conselho Fiscal por um plano para reduzir a dívida é compartilhada por especialistas consultados pelo ge: Cesar Grafietti, economista e consultor de gestão e finanças do esporte, e José Américo, engenheiro e PhD em finanças (leia abaixo).
“Será preciso escolher caminhos tortuosos”
Veja a opinião de César Grafietti:
“Esta é uma dificuldade natural de países com taxas de juros elevadas. No Brasil é, no mínimo, perto de 11% ao ano. O que acontece é que o clube paga um pedaço da dívida, mas o saldo aumenta de acordo com a taxa de juros, que é elevada. Assim, parece enxugar gelo, porque paga e ela segue crescendo.
A solução para parte da dívida é tentar renegociá-la, quando possível, pois nos casos de dívidas tributárias elas já estão renegociadas a juros mínimos. De qualquer forma, é uma realidade que não afeta apenas o futebol, e é mais difícil de lidar quando a dívida é alta. A 777 sabia disso quando entrou no clube.
(Negociar com os credores) pode ser uma estratégia, como é a recuperação judicial. Mas elas impactam apenas parte dos passivos. De qualquer forma, para resolver o problema será preciso escolher caminhos tortuosos, como o RCE ou uma recuperação judicial. Não é uma alternativa de fácil gestão, por isso muitos tentam resolver sem ela.
Ter que lidar com credores, que estão incomodados, dificultam negociações. Corre-se o risco de pedidos de falência. Toma tempo e energia. (A saída) é falar com os credores e propor descontos e mais prazo. A dívida é muito elevada para o porte do clube, fruto de décadas de gestões temerárias, e para arcar com tamanha dívida é fundamental equacioná-la. O que é a realidade. Há credores que não recebem há anos, e é melhor um acordo que correr o risco de não receber nada”.
“Será um ano crítico para o clube”
Veja a opinião de José Américo:
“Em 2023, Transação Tributária e RCE consumiram R$ 55,3 milhões e reduziram a dívida em R$ 21 milhões, ou R$ 0,38 para cada R$ 1,00 pago. A gestão da dívida nestes termos limita-se ao cumprimento de prazos e não otimiza o custo da dívida em benefício do clube. Em 2024, o Vasco receberá aproximadamente R$ 300 milhões de aporte (R$ 270 milhões corrigidos pelo IPCA). Será um ano crítico para o clube e a gestão da dívida terá um papel relevante nisso.
Há a possibilidade de quitar a transação tributária utilizando títulos de dívida emitidos pela própria união, denominados precatórios. Essa possibilidade foi autorizada pela Emenda Constitucional 113/21, que ampliou o uso dos precatórios, inclusive quando comprados por terceiros. Este mercado é dinâmico. O deságio na compra dos títulos já foi muito alto, mas alterações recentes o reduziram. Ainda assim, é uma alternativa que deveria ser considerada.
O artigo 17 da Lei 14193 (Lei da SAF) define que a ordem de pagamento do RCE é cronológica. Assim, dívidas mais antigas, serão pagas primeiro. A exceção à regra são as prioridades definidas no inciso VI, que inclui credores com os quais haja acordo que preveja redução da dívida original em pelo menos 30%.
Esse dispositivo permite que o clube realize um LEILÃO REVERSO DA DÍVIDA, oferecendo descontos progressivos em troca de um lugar melhor na fila. Essa estratégia sequer demanda dinheiro. Exige negociação direta com os credores. Pode ser que os credores não aceitem os termos do clube e queiram aguardar na fila por até nove anos, mas essa abordagem precisa ser feita”.
+ Como mandante, Vasco não vence o Vitória desde 2010
+ Siga as redes sociais do Papo na Colina: Twitter, Facebook, Instagram, Youtube, Tiktok e Google News