No YouTube, o famoso “react” é sempre receita de sucesso, e tem sido assim para um argentino que vem, em seus vídeos, reagindo às festas que faz a torcida do Vasco da Gama, seja em São Januário ou fora dele, e também à luta antirracista que o clube engendra há 100 anos.
O “Papo na Colina” entrevistou o idealizador desses “reacts”, o argentino Rami Iglesias, de 23 anos, que nasceu e até hoje vive na cidade de Junín, província de Buenos Aires. Rami contou o muito que sabe da história do Vasco e fez relação entre a massa vascaína e a torcida do Boca Juniors. O seu canal se chama “Mirito” e nele o vascaíno pode conferir uma série de vídeos que demonstra a grandeza de sua torcida e do seu clube.
Leia abaixo a entrevista realizada em exclusividade para o “Papo na Colina”:
Papo na Colina: Como iniciou a ideia de fazer o canal?
Rami: Nos primeiros anos da minha adolescência descobri a plataforma e me pareceu atrativa a possibilidade de me expressar e ser visto em qualquer parte do mundo. Antes tive alguns canais que simplesmente abandonei até que decidi criar “Mirito”, unindo essa paixão pelo audiovisual com o fanatismo pelo futebol, desde o lado mais genuíno do torcedor que olha uma partida sem necessariamente ser especialista em táticas, nem formas de jogo, mas sim com um sentimento incalculável.
Papo na Colina: O que você sabe sobre o futebol brasileiro?
Rami: O primeiro que me vem à mente sobre o futebol do Brasil é o respeito histórico aos seus clubes, não só à Seleção, mas sim também a todos os times que participam das competições continentais. Nunca é boa notícia que seu time enfrente um deles. Do Brasileirão, o que mais me atrai é o formato, que é mais adequado e competitivo, fazendo com que praticamente todos os times briguem por algo, seja título, um lugar nas internacionais ou rebaixamento. É espetacular ver como times grandes podem terminar o ano na Série B por terem tido um mal ano, o que dificilmente acontece na Argentina, devido ao sistema de “promedios”. Penso que o Brasil seja a casa predileta do futebol, é berço de grandes jogadores ao longo das épocas e isso é admirável. Não é por acaso que é grande vencedor das Copas, porém o mais valioso é o lugar que o futebol ocupa na cultura e no coração do povo.
Papo na Colina: Como você ficou por dentro do Vasco e sua torcida?
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Rami: Conheço o clube desde sempre, embora nunca tivesse me aprofundado, já que na Argentina não transmitem o Brasileirão, mas isso não é tão problema com as redes sociais hoje. É justamente através delas me dei conta de uma caminhada histórica que torcedores estavam planejando fazer até o Maracanã. Pareceu-me muito interessante e resolvi fazer um vídeo sobre isso e confesso que me surpreendi.
Papo na Colina: O que achou da torcida e como surgiu a ideia de reagir a sua força?
Rami: É uma torcida gigante com uma consciência social notável, e penso que essa é uma das razões pelas quais decidi fazer vídeo sobre ela. Nas canções notei não só um profundo sentimento de lealdade, não só com as cores mas também com os valores que o clube defende incondicionalmente. Por isso busquei me informar e vi que é um clube de origem popular e ao qual custou muito no início graças às discriminações da época. O que mais me preocupou foi o fato de que o Vasco continua sendo perseguido até hoje, não lhe deixando jogar em seu estádio mesmo com a punição já tendo sido cumprida. Ao falar sobre isso, muitos torcedores me disseram que haviam se reunido fora do estádio para protestar contra a proibição e ver um jogo que se disputava a centenas e centenas de quilômetros, e isso é espetacular, pois não só demonstra sentimento de amor pelo clube, como também uma forma pacífica de protestar diante da exclusão do clube, dando exemplo. Por isso resolvi mostrar tudo isso daqui.
Papo na Colina: Existe paralelo entre alguma torcida argentina e a do Vasco?
Rami: Torço para o Boca, e vejo a torcida como a maior e mais popular do país. Boca está historicamente ligado ao povo, enquanto que o rival [River], tem ligação com as elites mais favorecidas, basta ver o torcedor de cada um e os respectivos bairros de cada estádio [La Ribera e Nuñez]. Por isso ao conhecer a torcida do Vasco e acima de tudo sua história, automaticamente fiz uma analogia com a torcida do Boca, que embora não sofra a perseguição que sofre a do Vasco, geralmente é considerada de maneira negativa pela sua origem popular e formada pelas camadas mais humildes. Além disso, a paixão que demonstraram assistindo ao jogo no meio da rua, é algo que se costuma ver no bairro do Boca, não é comum que outras torcidas façam. O sentido de pertencimento é um dos motivos que me levam a traçar esse paralelo com a torcida do Boca e com a do San Lorenzo, que há anos luta para voltar a seu bairro de origem.
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Papo na Colina: Como você vê a luta antirracista do clube e da torcida ao longo da história?
Rami: Penso que seja um exemplo a nível mundial. A decisão de seguir suas convicções e não deixar se dobrar pelo que querem os poderosos e detratores é algo admirável. A defesa do espírito popular é a mensagem mais importante que deu o clube e é um presente e também um futuro para o torcedor, que jamais esquecerá. Não aceitar jogar sob condições discriminatória impostas, escolhendo o caminho da luta quando muitos escolheriam o da fácil obediência, foi uma declaração de princípios mais importante que qualquer título. É muito importante a consciência de seus torcedores têm para seguir lutando contra o racismo que até hoje. Embora muitos de hoje, claro, sequer estivessem nascidos na época, a torcida do Vasco segue sendo a que construiu seu próprio estádio, dando uma mensagem de honra e dignidade a todo o país.
Papo na Colina: Você gostaria de estar em São Januário alguma vez?
Rami: Mas é claro que eu gostaria de estar nesse histórico estádio. Poder vivenciar o ambiente que os torcedores produzem deve ser algo imensurável, e ainda mais conhecendo a história por detrás do estádio.
Papo na Colina: Você já se considera um torcedor mais do Vasco?
Rami: Como eu disse em um dos meus vídeos, a torcida vascaína pode ter certeza de que aqui têm mais um torcedor.